STM inicia julgamento de apelação contra decisão que condenou militares no caso das mortes em Guadalupe/RJ

O
Superior Tribunal Militar (STM) iniciou na quinta-feira, 29 de
fevereiro, o julgamento da apelação apresentada pela defesa dos
oito militares do Exército condenados pelo Conselho de Justiça da
1ª CJM, pela morte do músico Evaldo Rosa e do catador de latinhas
Luciano Macedo, em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, em abril
de 2019. O julgamento foi suspenso após 6 horas de sessão, mediante
o pedido de vista da ministra Elizabeth Guimarães e ainda não há
previsão de retomada.

Na
sessão inicial, além do relatório e voto, foram ouvidos o advogado
de defesa, o Ministério Público Militar e o assistente de acusação
contratado pelas famílias do músico e do catador. O ministro Carlos
Augusto Amaral de Oliveira, relator da apelação no STM, votou pela
desqualificação do crime de homicídio em relação ao catador de
latinhas Luciano Macedo, considerando se tratar de homicídio
culposo. O ministro também propôs a absolvição dos oito militares
em relação à morte de Evaldo Rosa, por entender que o grupo agiu
em legítima defesa de terceiro, já que perseguia assaltantes que
após render e roubar um motorista de um Honda City, se evadiram em
um carro semelhante ao que era dirigido pelo músico (um Ford Ka
sedam branco), contra o qual terminaram por disparar.

Desta
forma, o relator sugeriu a redução das penas aplicadas na instância
inferior por duplo homicídio e tentativa de homicídio contra o
sogro do músico, que também se encontrava no carro; bem como
omissão de socorro.

Em
seu voto, ele propôs a alteração da pena do tenente que comandava
a operação de 31 anos e 6 meses, inicialmente em regime fechado,
para 3 anos e 10 meses em regime aberto. Com relação aos demais
militares, anteriormente condenados a 28 anos de prisão, o ministro
propôs pena de 3 anos e 2 meses, também em regime aberto.

Dos
doze militares denunciados pela 1ª Procuradoria de Justiça Militar
no Rio de Janeiro, quatro já haviam sido absolvidos por solicitação
do próprio Ministério Público, que reconheceu a inconsistência da
prova pericial em relação ao disparo de suas armas. Os outros oito
foram condenados.

Em
sustentação oral, no início do julgamento, o procurador-geral de
Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte, deu voz às vítimas de 7
de abril de 2019 em Guadalupe, lembrando a frase dita por Luciana dos
Santos Nogueira, no dia do enterro de seu marido, o músico Evaldo
Rosa, à amiga Michele da Silva. Referindo-se ao fato de que a rajada
de mais de 80 tiros atingiu o carro dirigido pelo músico logo depois
que as duas saíram correndo do veículo com o filho do casal, Davi,
para se proteger, Luciana concluiu: “a gente ia morrer junto”.

O
procurador-geral afastou as preliminares apresentadas pela defesa,
que pretendia a anulação da sentença condenatória da 1ª
Circunscrição Judiciária Militar pelo fato de o Ministério
Público Militar ter apresentado um vídeo e feito a leitura de
trecho de um livro do ex-comandante do Exército, general Villas Boas
Corrêa, a respeito da ação em Guadalupe no dia do julgamento, sem
prévio conhecimento dos advogados dos militares. De acordo com ele,
os elementos apresentados não tiveram o condão de inovar na matéria
fática. “A apresentação de um vídeo sobre balística e a
leitura de um depoimento não maculam o andamento natural de uma Ação
Penal, uma vez que os dois expedientes deixaram de ser conhecidos
naquele momento para serem analisados nesta apelação”.

Duarte
destacou o fato de que os julgadores, por serem militares, têm amplo
conhecimento sobre armamento, sendo o vídeo apenas ilustrativo.
Quanto ao trecho do livro do general Villas Boas Corrêa já era de
amplo conhecimento público. O protesto da defesa no dia do
julgamento já havia motivado a decisão de que as provas fossem
desconsideradas naquele julgamento.

Sobre
o mérito da apelação, o PGJM relembrou a própria decisão do
Conselho Especial de Justiça para o Exército da 1ª CJM do Rio de
Janeiro, segundo a qual, “a Lei não impõe, em tempo de paz, a
quem quer que seja, o dever de matar”. Embora houvesse uma
perseguição, Duarte destacou que o assalto não estava mais em
andamento e não havia mais risco de ataque aos militares. O
procurador-geral também ressaltou que a defesa não conseguiu
comprovar existência de uma ameaça de morte contra o grupo, como
alegaram os militares em depoimento. Segundo eles, a ameaça partiu
de traficantes locais, após confronto acontecido na manhã do mesmo
dia.

Também
evidenciou que o veículo do músico já havia parado quando os tiros
foram disparados, numa situação em desconformidade com os
protocolos de atuação do Exército (regras de engajamento) em
regiões urbanas populosas como Guadalupe. Finalmente, destacou os 82
tiros disparados contra um veículo parado, realçando o excesso
praticado pelos militares, no entendimento do Ministério Público
Militar. “Para se defender, os militares deveriam ter feito uso
moderado dos meios necessários”.

Antônio
Duarte concluiu, diante dos fatos e provas elencados, que ocorreu uma
“típica ação de execução” pedindo, portanto, a manutenção
da decisão do 1º grau.

Fatos
– Convocado para dar apoio no combate ao tráfico no Rio de
Janeiro, o Exército realizava operações na área urbana de
Guadalupe, no Rio de Janeiro, em 7 de abril de 2019. Naquele dia, os
disparos foram feitos pela tropa em dois momentos. Por volta das
14h30, um grupo de combate deslocava-se em uma viatura do 1ºBatalhão
de Infantaria Motorizada Escola para os Próprios Nacionais
Residenciais (PNR) quando se deparou com um roubo de automóvel com o
proprietário imobilizado, sob ameaça de uma pistola.

A
fim de repelir a ameaça ao dono do veículo roubado, os militares
efetuaram disparos de fuzis, em região urbana, na direção dos
autores do roubo, que embarcaram no veículo roubado, um  Honda
City branco, e num Ford Ka branco não identificado e empreenderam
fuga trafegando pela Estrada do Camboatá.

Ao
perseguir os autores do roubo, a equipe perdeu contato visual com os
veículos, porém, encontraram outro Ford KA branco, dirigido pelo
músico que acessava a mesma Estrada do Camboatá vindo da Travessa
Brasil, a cerca de 300 metros do local do roubo. Ao julgar que se
tratava do veículo em fuga, os militares atingiram o músico Evaldo
Rosa, que parou o veículo e perdeu os sentidos.

No
segundo momento, a esposa, o filho de Evaldo e a amiga da família
saíram do carro em busca de abrigo e ajuda. O sogro permaneceu no
carro, no banco do carona. Nesse instante, o catador de recicláveis,
que se encontrava próximo ao local com seu carrinho, foi socorrer o
músico ferido, colocando-se ao lado da porta do motorista.

Porém,
os militares embarcados na viatura militar deflagraram 82 disparos
contra o veículo Ford KA branco; 62 desses tiros acertaram o
veículo. O catador foi alvejado no braço direito, nas costas e caiu
ao solo.

O
músico, que permanecia desacordado no banco do motorista, foi
atingido, pelas costas e na cabeça e morreu no local. Seu sogro,
agachado entre o banco do carona e o painel, durante os disparos, foi
ferido com tiros de raspão nas costas e no glúteo direito; saindo
do carro para se abrigar assim que os disparos cessaram. O catador
morreu 11 dias depois, em consequência dos tiros.

Testemunhas
presenciais confirmaram a dinâmica dos fatos narrados da denúncia.
Também os acusados, em seus interrogatórios judiciais, admitiram
terem disparado contra os assaltantes do automóvel Honda City
branco, contra o Ka branco do músico e contra o catador. Contudo,
tentaram justificar suas ações dizendo que não houve excesso no
primeiro evento e que atiraram contra o carro do músico por
acreditarem ser o mesmo no qual estavam os assaltantes. Quanto ao
catador, afirmaram que portava uma pistola e atirava contra o grupo.

Na
denúncia apresentada e no julgamento perante o Conselho de Justiça
para o Exército da 1ª CJM, o MPM argumentou que os militares não
agiram dentro das normas nem dentro dos limites da legalidade. A
decisão o Conselho de Justiça, por maioria, seguiu o MPM e condenou
os oito militares que dispararam por duplo homicídio qualificado e
pela tentativa de homicídio qualificado. Crime previsto no art. 205,
§ 2º, do Código Penal Militar.

Em
maio de 2022, por unanimidade, o Superior Tribunal Militar (STM) já
havia rejeitado pedido feito pela defesa dos militares do Exército
condenados pelo fuzilamento do músico Evaldo Rosa e do catador de
latinhas Luciano Macedo para que o julgamento deles fosse anulado.

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