Afropunk, maior festival de música negra do mundo
Há uma semana, Salvador sediou a terceira edição brasileira do Afropunk, festival de arte negra criado em Nova York e que percorre cidades do mundo, como Londres, Paris e Joanesburgo, exaltando a auto estima das pessoas negras. Foram dois dias (18 e 19/11) de shows espetaculares no palco e um desfile de estilos e atitudes na plateia, que abusaram de referências africanas em tecidos, pinturas, tranças e adereços, com a ousadia de transparências e corpos à mostra, na afirmação de uma estética afrofuturista.
Entre as presenças internacionais, o Afropunk Bahia contou com a música de Victoria Monét, destaque do pop e R&B norte-americano, a cantora britânica Leigh-Anne, ex-integrante da girlband Little Mix, a angolana Noite e Dia e o guineense Patche di Rima.
Os artistas africanos foram convidados da banda Baiana System, no show de encerramento do festival, em um diálogo entre a guitarra baiana e os ritmos contemporâneos do continente-mãe, como o Kuduro de Angola.
Entre as 30 atrações da edição deste ano, o Brasil foi muito bem representado na diversidade de gêneros musicais e gerações de artistas. Das jovens Tasha & Tracie, do trap dos irmãos Kayblack e MC Caverinha à veterana Alcione, que trouxe a bateria da escola de samba Estação Primeira de Mangueira e mostrou que dialoga com públicos de todas as idades.
O público do festival foi brindado com grandes apresentações como o inventivo Alfagamabetizado, do genial e inquieto Carlinhos Brown e o Tecnoshow da paraense Gaby Amarantos, que comemorou no Afropunk Bahia o Grammy Latino 2023 de Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Tiveram também performances marcantes de Djonga, Iza, Majur, Vandal, o funk de Tati Quebra Barraco, o pagodão de O Kanalha e, como não poderia faltar em uma festa em solo baiano, os tambores do Olodum.
Revolução dos Tambores
É sempre bom lembrar que os tambores foram fundamentais na revolução cultural negra que ocorreu em Salvador a partir da década de 1970, quando movimentos artísticos se uniram às lutas políticas por direitos da população negra.
As referências vindas dos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos e o eco das revoltas pela independência dos países da África frente ao poder colonial europeu se misturaram nas ruas de Salvador, encontrando um solo fértil já adubado pelas heranças africanas e indígenas preservadas em manifestações culturais e religiosos como o candomblé e a capoeira.
Dessa mistura de ritmos e aspirações por cidadania, nasceu em 1974 o bloco afro Ilê Aiyê, que levou para a arena do carnaval sons, cores e reivindicações de um povo que não aceitava ser oprimido. O desfile do Ilê Aiyê no Carnaval de Salvador marcou definitivamente não só a música produzida na cidade, mas a afirmação da identidade negra, que se espalhou pelo país. Daí vieram o Olodum, em 1979, o Muzenza, em 1981, o samba reggae criado pelo Mestre Neguinho do Samba, gerando o Axé Music e outras inovações estéticas e musicais como a Timbalada e o pagode de grupos como É O Tchan e Harmonia do Samba.
A continuidade dessa trajetória musical, o Brasil conhece em passos, hits e muita festa, que atraíram o interesse de astros negros como Michael Jackson e Jimmy Cliff. Até a estrela norte-americana Beyoncé incluiu Salvador na turnê que realizou no Brasil em 2009, pouco antes de se tornar um fenômeno mundial.
Salvador segue sendo esse caldeirão de misturas rítmicas, permitindo que o talento dos artistas locais se conecte à arte do mundo, por meio de pontes sonoras erguidas pela identificação que está no tom da pele, na ginga dos corpos, nos evidentes traços fenotípicos, mas sobretudo, na memória de resistência ancestrais compartilhada pelos descendentes da África e da diáspora negra, que têm em Salvador seu lugar de encontro permanente.
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