Minha vida mudou drasticamente há cinco anos. Sempre adorei esportes, apesar da falta de talento, e amava praticá-los junto com meus filhos e minha mulher. De repente, precisei reaprender a viver depois de um acidente esportivo que me deixou tetraplégico, privado da prática cotidiana de atividades esportivas e, mais complicado, obrigado a conviver com a necessidade de auxílio para tarefas banais da vida cotidiana.
Frank Williams (outro tetraplégico, lenda da Fórmula 1) um dia resumiu: “it is simply a different kind of life”.
Não costumo falar sobre isso publicamente, mas o Wheelchair Tennis Elite, que aconteceu no Rio Open, na última semana, reunindo pela primeira vez no Brasil tenistas cadeirantes de alta performance internacional, me encorajou a escrever.
É preciso falar sobre acessibilidade e acho que este tema deveria estar mais presente nas pautas políticas e empresariais.
Eu tinha 39 anos quando sofri o acidente. Havia passado por um ano de transição para uma nova carreira profissional e ocupava há pouco mais de seis meses a posição de CEO na Aliansce Shopping Centers.
A verdade é que só a confiança e o apoio dos acionistas da empresa, em especial de seu fundador (a quem sucedi), permitiram que eu continuasse a liderar a companhia. E não há dúvida de que, se já não ocupasse a posição, dificilmente me tornaria o CEO – hoje a ALLOS é a maior plataforma de lazer, serviços e compras da América Latina e sou muito grato por ter participado dessa incrível história corporativa.
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As limitações físicas e a perda da independência física total ainda são um grande desafio, mas o não andar é um pequeno detalhe diante de todos os impactos que uma lesão medular causa na vida das pessoas. Passei por 14 cirurgias para recuperar os movimentos do braço esquerdo e por outras três no braço direito para conquistar um pouco mais de qualidade de vida e autonomia.
Minha admiração foi imediata e profunda na primeira vez que vi atletas cadeirantes de alta performance, em um centro médico na Suíça, onde me operei, em 2020. Pensei no desafio diário, em suas pequenas rotinas, no empenho e no esforço para competir e se apresentar com tanta maestria com suas cadeiras. Naquele momento, não agi, apenas me motivei a fazer mais fisioterapia e musculação.
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No ano passado, estava com Mariana, minha mulher e parceira de vida, no US Open e chegamos à quadra no último set da final do jogo entre Alfie Hewett e Gordon Reid (os dois jogaram no Rio Open na semana passada).
Esses caras são gigantes, o que eles fazem é incrível. É algo que encanta, inspira e transforma. Isso me fez refletir e levar adiante a ideia de trazer atletas do Wheelchair Tennis para o Rio Open. E não para jogar na superfície dura das quadras de Nova Iorque, mas no saibro úmido do Rio de Janeiro.
As pessoas que passam por situações como a minha muitas vezes desistem de tudo para focar na reabilitação. É totalmente compreensível. Muitas vezes não há espaço nem ânimo para pensar em mais nada. Escolhi me dedicar à convivência familiar e ao trabalho. Sei que deveria destinar mais tempo às fisioterapias (hoje faço natação, handbike e musculação), mas minha energia está preferencialmente focada em oferecer a melhor performance à companhia. É uma forma que encontro de retribuir a oportunidade que tive e oferecer um exemplo de ética profissional para meus filhos.
As cirurgias que fiz mudam a vida de alguém que é tetraplégico, mas infelizmente não estão nos protocolos do nosso país, onde o acesso à reabilitação ainda é restrito. Cinco anos depois do meu acidente, avançamos pouco em acessibilidade. As calçadas do Brasil são horríveis. Nem mesmo nas grandes metrópoles consigo andar sozinho – ainda que munido de uma cadeira motorizada, uma vez que a manual, que uso no dia a dia, torna impossível pilotar nas ruas e calçadas.
Preciso de alguém para me ajudar por causa dos buracos e desníveis. Me sinto desrespeitado quando preciso viajar de avião. Enfrento preconceitos – parece que estão fazendo um favor em garantir minha acessibilidade e ouço sempre, quando tenho que esperar ajuda ou onibusinho da Infraero (que nunca está disponível, quando não está quebrado): “agora vai chegar em casa e descansar, dar uma passeada …”. Na verdade, nessas horas, normalmente estou indo para o trabalho, tentar produzir e ser útil à sociedade.
Aí, penso muito nas regiões menos favorecidas e em pessoas que passam por estas mesmas dificuldades e têm menos capacidade de reclamar ou de serem ouvidas.
É claro que todas as dificuldades me fizeram pensar obsessivamente em nossos shoppings. Eles já operam hoje com a orientação de se tornarem ambientes mais acolhedores. Abracei isso como missão. Fizemos pouco ainda. Muito pouco. Porém, de pouco em pouco, os shoppings da ALLOS se tornarão referência em acessibilidade, empatia, acolhimento.
Um amigo me diz que sou um esportista corporativo de alta performance, alguém que escolheu disputar a “olimpíada da vida normal” no trabalho. De certo modo, ele tem razão. Mas não gostaria de ser a exceção. Meu objetivo agora é incentivar também outras empresas a se engajar em acessibilidade.
É importante saber que somos capazes de fazer muitas coisas especiais na vida. O esporte tem o poder de unir, de criar laços, de inspirar e transformar. Para um CEO, entender e aplicar princípios antifrágeis pode significar cultivar uma organização capaz de aprender e prosperar em ambientes turbulentos, adaptando-se e transformando desafios em oportunidades. Isso envolve promover uma cultura ágil, incentivar a inovação e estar aberto a ajustes contínuos diante da incerteza.
Tal qual o esporte, acredito que as empresas têm esse poder e são capazes de inspirar pessoas com limitações de movimentos a também serem atletas da “vida normal”.
*Rafael Sales é CEO da ALLOS, patrocinadora do Wheelchair Tennis Elite
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