Bruna Garcia Fonseca
bruna.garcia@anba.com.br
São Paulo â Mandioca, macaxeira, aipim. Não importa o nome, este é o objeto da pesquisa da vida do professor Nagib Nassar, um botânico, geneticista e pós-doutor egÃpcio que veio pesquisar o tubérculo no Brasil em 1974 e por aqui ficou. O cientista trabalha no melhoramento da mandioca, para dar tubérculos maiores e para aumentar o percentual de proteÃna em sua farinha. Tudo em nome da erradicação da fome e da desnutrição no Brasil e em paÃses africanos que também produzem a raiz tuberosa de origem brasileira.
Hoje aos 85 anos, Nassar contou à ANBA em entrevista por videochamada que veio convidado pelo Itamaraty, por meio de um acordo bilateral entre o Egito e o Brasil. A princÃpio, ele ficaria por dois anos para executar o projeto de melhoramento da mandioca. O trabalho se estendeu e ele foi convidado a lecionar na Universidade de BrasÃlia (UnB) e decidiu ficar no PaÃs. Hoje ele é professor emérito e está aposentado, mas segue pesquisando na Fundação Nagib Nassar para desenvolvimento CientÃfico e Sustentável (Funagib).
Nassar iniciou suas pesquisas sobre a mandioca ainda no Egito, no Instituto de Pesquisas e Estudos Africanos na Universidade do Cairo. A cultura do tubérculo estava com problemas no continente africano, pois estava sendo atacada pelo vÃrus mosaico africano. O mosaico atacou particularmente os paÃses produtores do Leste da Ãfrica, como Quênia, Tanzânia, Moçambique e Uganda, segundo Nassar.
O professor então pesquisou maneiras para remediar este problema do mosaico e encontrou em uma espécie nativa do Brasil a solução. Esta espécie brasileira era resistente ao vÃrus. Nassar então fez um cruzamento com a mandioca comum e produziu um hÃbrido resistente ao mosaico. âEste hÃbrido eu mandei para a Ãfrica e foi usado no combate do mosaico, e deu certo. Fiquei conhecido por ter enviado este hÃbrido que salvou a mandioca na Ãfricaâ, contou.
O trabalho foi patrocinado e publicado por um centro canadense, e Nassar afirma que este foi seu passaporte para instituições no exterior. âO trabalho mais importante para mim foi mandar este hÃbrido que contribuiu muito para combater a fome particularmente em Uganda, em 1995, quando explodiu o mosaicoâ, contou.
Nassar com a mandioca quimera
A mandioca é nativa do Brasil e a história afirma que a raiz se espalhou pelo mundo pelos portugueses, a princÃpio, nas colônias portuguesas na Ãfrica. No continente africano, há produção de mandioca em paÃses próximos à linha do Equador, de Leste à Oeste, como – além dos mencionados previamente – na Nigéria, Angola, Gana, Congo, Malaui, Benin, Serra Leoa, Madagascar e Ruanda. Também há produção de mandioca na Ãsia, em paÃses como Tailândia, Indonésia, China, Camboja, Vietnã.
O Brasil é o quarto maior produtor de mandioca, atrás da Nigéria, Congo e Tailândia, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2020. Há produção de mandioca em todos os estados brasileiros. Os principais estados produtores são o Pará, Paraná, Amazonas e Bahia. Por região, a maior produção é na região Norte do PaÃs (38%), seguida pela região Sul (24,2%) e Nordeste (17,9%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE) de 2020.
Nassar recebeu em 2014 um prêmio da Kuwait Foundation for the Advancement of Science (KFAS) por seu trabalho com pesquisa sobre o uso da mandioca no combate à fome. Com o prêmio de US$ 100 mil, ele criou a Funagib, e através dela, levou os hÃbridos e variedades de mandioca para pequenos agricultores do Nordeste brasileiro.
O cientista também faz um trabalho de melhoramento da mandioca, que segundo ele, é um tubérculo pobre em proteÃna em comparação a outros alimentos básicos. âA mandioca do Nordeste tem cerca de 1% de proteÃna, enquanto o trigo, o arroz e o milho têm 7% de proteÃna. E lá, quase 100 mil agricultores sobrevivem com a farinha da mandiocaâ, contou.
O autor Josué de Castro escreveu o livro Geografia da Fome em 1946 e naquela época, já alertava sobre os problemas de saúde causados pela falta de proteÃna na alimentação. Nassar leu o livro, que foi um ponto de virada em sua carreira.
A partir do livro, ele foi buscar maneiras de resolver o problema de forma que os pequenos agricultores pudessem ter acesso à solução. âNa mesma planta da mandioca existe proteÃna. Descobrimos que a folha da mandioca tem 30% de proteÃna, então elaboramos um projeto para adicionar a folha à farinha da mandioca, e obtivemos um resultado de 9% de proteÃna na farinha de mandiocaâ, contou.
A proporção de 20% de farinha da folha à farinha da mandioca obteve a porcentagem de proteÃna a 9%, mais que trigo, milho e arroz. O projeto da farinha enriquecida com as folhas vai começar na ParaÃba, segundo Nassar, e depois deve se estender a todos os estados produtores.
O objeto de pesquisa de uma vida inteira
De acordo com o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, publicado neste mês pela FAO, 70,3 milhões de pessoas estavam em estado de insegurança alimentar moderada no Brasil em 2022, que é quando possuem dificuldade para se alimentar. O estudo também apontou que 21,1 milhões de pessoas no PaÃs estavam em insegurança alimentar grave no ano passado, caracterizado por estado de fome.
âHá milhões de agricultores abaixo da linha da pobreza. Quando Lula chorou, ele teve razãoâ, afirmou o pesquisador, referindo-se ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que já chorou ao discursar sobre a fome existente no PaÃs.
A variedade de mandioca desenvolvida por Nassar, a Quimera, é caracterizada por seu tamanho grande e maior peso. âA raiz pesa 15 quilos, quando a mandioca tradicional pesa 1 quilo!â, contou. A Funagib fez um acordo com o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) alguns anos atrás para fornecer suas variedades, e este ano, deve enviar para outros estados.
Além de produzir mais mandioca em cada raiz, a quimera também produz o dobro de folhas da mandioca comum. Para fazer a farinha das folhas, basta coletar as folhas, fazer a secagem e triturar para obter a farinha. Depois, basta misturar a proporção indicada com a farinha de mandioca.
âAlém de alimentar pessoas adultas, queremos alimentar pela merenda escolar, para alimentar as crianças no Nordesteâ, disse Nassar sobre a farinha de mandioca enriquecida com as folhas.
O estudioso pretende espalhar a variedade quimera pela América Latina. âNo Brasil, um centro criado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) mostrou interesse no nosso estudo e quer levar o projeto para outros paÃses, como Peru, Colômbia, Venezuela, Panamá e Guatemala, que também precisam de mais alimento e mais proteÃna, porque a mandioca é uma das principais fontes de alimento nesses paÃsesâ, informou.
Nagib Nassar foi contratado pela UnB como professor, e a partir disso, decidiu continuar no Brasil e vive até hoje na Asa Norte, em BrasÃlia. Ele tem quatro filhas e sete netos que vivem no Egito, visita a famÃlia quase todo ano e suas filhas também vêm ao Brasil. O pós-doutor nasceu no Sul do Egito, na cidade de Assiut. Quando chegou ao Brasil, era professor na Universidade do Cairo. Ele aprendeu a falar português pela vivência com alunos e amigos.
“Aos 85 anos eu continuo pesquisando e publicando. Minha última publicação foi no ano passado, sobre a técnica de quimera”, contou.
Nassar acredita que com a quimera, a produção nacional de mandioca irá crescer. “Acredito que vai revolucionar a produção [de mandioca] com certeza, porque ela dobra ou triplica a produtividade”, declarou.
“Eu quero duas coisas com a minha pesquisa, contribuir no alimentar bem os pobres e resolver problemas de má nutrição, e contribuir para aumentar a produção nacional da mandioca”, concluiu.
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