Percebi que tinha de partir do zero :: zerozero.pt

De onde quer que nos leia, caro leitor, é provável que do outro lado da janela esteja um céu de novembro, no seu pálido cinzento. Só o calor já seria uma miragem, mas permita-se a satisfação de imaginar, por instantes, que está numa praia, algures nas Caraíbas.

Está em Barbados, rodeado de beleza natural. Para os turistas é um oásis, essa ilha singular que só por acaso foi batizada no plural. Um país conhecido por cavalos que nadam – não confundir com cavalos-marinhos – e pelo icónico pop e R&B de Rihanna. Não conhecido de forma alguma pelo desporto e muito menos pelo futebol.

Mas foi o futebol que levou Orlando Costa para esse ponto do globo, com um contrato de um ano para ser selecionador nacional. Agora que a concluiu, o treinador português contou ao zerozero toda a história dessa aventura caribenha, recheada de desafios e resistências à evolução.

«O presidente da Federação nunca tinha visto nada assim»

Como adjunto correu vários clubes pelo Mundo e nas seleções estreou-se em 2022 com a Guiné-Bissau, mas a experiência como treinador principal não ia além do Campeonato de Portugal. Orlando abraçou um desafio alternativo no 174º do ranking FIFA, mas rapidamente percebeu que podia estar no epicentro de uma tempestade tropical…

zerozero: Comecemos pelo início, que tem tudo para ser uma das partes mais interessantes. Como é que surgiu a oportunidade de ser o selecionador de Barbados?

Orlando Costa: O convite surgiu do professor Nelo Vingada, que foi quem me lançou no futebol profissional, como adjunto dele na Académica. Soubemos através de um agente FIFA que a Federação de Barbados queria não só um treinador, mas alguém que fosse também capaz de projetar o desenvolvimento do futebol jovem. Isso e o lado humano fez com que me recomendassem e depois aconteceu tudo muito rápido.

zz: As funções iam além de ser selecionador, portanto. De que forma se contribui para o crescimento do futebol num país?

OC: Queriam que, paralelamente ao cargo de selecionador, trabalhasse com jovens entre os 17 e os 20 anos numa espécie de academia local. Era um trabalho transversal para desenvolver o futebol. Explicaram-me esse projeto, perguntaram se eu o via com bons olhos, e eu aceitei.

zz: Kowait, Irão, Coreia do Sul, China, Guiné… Barbados é longe, mas as fronteiras e os oceanos nunca limitaram a carreira do Orlando, parece!

Procurava o desenvolvimento do futebol em Barbados @Orlando Costa – Redes Sociais

OC: Sou um treinador multinacional e multicultural. Gosto de estar aberto a novas ideias, formas de pensar, culturas e metodologias. Acho que os treinadores não se podem dar ao luxo de ficar estagnados na sua zona de conforto. Também foi um bom desafio porque era um continente que ainda não conhecia, e foi com base em tudo isto que, há um ano, assinei.

zz: Aterra no outro lado do Mundo, pronto para desempenhar funções. Qual é o primeiro passo para um novo selecionador? O que encontrou em Barbados?

OC: Primeiro tentei inteirar-me de toda a situação do país e depois, no futebol, fui conhecer as equipas de Primeira Liga, que em Barbados é amadora. Pedi os vídeos dos últimos jogos da seleção, mas a federação demorou um mês a entregá-los, já eu os tinha conseguido pelos meus meios. Tinham sido quatro derrotas. Só um golo marcado, de bola parada. Reparei que não se comportavam como uma equipa, tanto taticamente, que era uma anarquia, como a nível de união.

zz: Disse que a federação não tinha os vídeos dos últimos jogos da seleção?

OC: Não foi só. Eu pedi também uma lista de jogadores convocáveis e deram-me duas folhas que só tinham o nome e idade de alguns jogadores, mais nada. No fundo, percebi que tinha de partir do zero. Já sabia que era um país pequeno e que ia sempre valer pelo sentimento de ser um selecionador principal e representar um país, mas ficou evidente que, para além dos jogadores, também na federação existia algum amadorismo.

zz: Caiu desamparado nas Caraíbas. O que se faz nesse momento?

OC: Como só me deram duas folhas, procurámos mais jogadores a atuar fora de Barbados e criámos um ficheiro. Sabendo que o nível local é reduzido, que há maus campos, poucos recursos e treinadores sem formação, para ter sucesso era preciso apostar em talento overseas. Encontrámos 40 jogadores, alguns deles pertenciam a clubes de Premier League e Championship. Muitos rejeitaram, outros, não tinham a cidadania, que teria de ser concedida apesar da ascendência. Também cheguei a redigir um documento de 140 páginas para o futebol em Barbados, com o que se pedia de treinadores e jogadores nas várias posições e faixas etárias, e o presidente da federação disse que nunca tinha visto nada assim.

Orlando Costa e o seu adjunto, Ricardo Fernandes @@barbadosfa instagram

A vitória histórica, antes da tempestade tropical

Foi neste momento da conversa que este jornalista deu uso à base de dados do zerozero para encontrar atletas com dupla nacionalidade barbadense. Saltou à vista Jamie Bynoe-Gittens, em ascensão no Dortmund, o capitão do Newcastle, Jamaal Lascelles, e o ex-Liverpool Rhian Brewster

Num Mundo perfeito, talvez, mas certamente não foi esse o Mundo que Orlando encontrou.

zerozero: Sempre conseguiram recrutar novas caras para a seleção?

Orlando Costa: Eu queria construir uma ponte com o Ministério do Desporto e agilizar o processo da cidadania, mas o que é certo é que em 11 meses nada foi feito e as convocatórias foram mais do mesmo. Recrutámos jogadores, alguns que nem estavam a jogar nos seus clubes, e demos a outros atletas locais a possibilidade de representar o seu país. 

Thierry Gale é a figura da seleção. Tem 21 anos e assinou pelo Rapid Wien (Polónia) este verão @@barbadosfa instagram

zz: E como foi a relação com os jogadores?

OC: Em janeiro começámos a trabalhar uma vez por semana com os que atuavam localmente. Tentámos incutir uma mentalidade vencedora, espírito de união e uma identidade. Depois jogámos três particulares com Granada e empatámos todos, marcando cinco golos. Sofremos cinco também, obviamente, mas é mais fácil trabalhar a organização defensiva do que ofensiva e por isso foi um arranque promissor.

zz: Então os desafios que enfrentou vieram da complacência da federação em si, não dos jogadores.

OC: Com eles também houve alguns problemas, por exemplo, alguma inveja por parte daqueles que antes jogavam sempre e começaram a perder o lugar. Idealmente haveria o fator da personalidade na escolha dos jogadores, mas quando não consegues caçar com cão, caças com gato. Trabalhas com o que tens. Óbvio que me senti limitado, mas é esse o processo e eu tentei usar a minha experiência de 27 anos como treinador para ajudar. 

zz: Foi em março que começaram os jogos oficiais, na Liga das Nações da CONCACAF. Estreou-se com uma derrota (0-1) com Cuba, mas ao seu segundo jogo conseguiu a primeira vitória de Barbados em algum tempo. Foi esse o melhor momento?

OC: Claro, eles vinham de vários anos de derrotas e foi muito bom. Mas mesmo nesse jogo… Fomos para o intervalo a perder, com um canto direto aos 30 minutos. Eu por norma não entro logo no balneário dos jogadores, gosto de refletir com a minha equipa técnica, mas enquanto estávamos do lado de fora só ouvimos os jogadores a discutir e a atacarem-se uns aos outros. Eu tive de impor outra face, que eles nunca tinham visto. Acabei a minha palestra com sacos a voar e com e eles a entender que se continuassem a apontar o dedo, em vez de se apoiarem como uma equipa, nunca teriam sucesso. 

zz: E depois foram para a segunda parte e viraram o jogo…

OC: Rebentámos com a Antígua e Barbuda! Empatámos e depois fizemos o 1-2 contra uma seleção que vinha de uma vitória fora e tinha nove pontos enquanto nós estávamos a zeros. É essa a arte de um treinador, porque não é uma ciência.

zz: Parece que essa palestra surtiu efeito no dia, mas só voltaram a jogar seis meses depois e essa vitória acabaria por ser a primeira e última do Orlando ao leme da seleção de Barbados. Porquê?

OC: Até voltarmos a jogar houve mais problemas. Em abril houve um rombo financeiro que ninguém soube explicar, o que levou a despedimentos, e as coisas nunca mais foram as mesmas. Por exemplo, em junho tivemos uma data FIFA em que marcámos um jogo particular com as Honduras e andámos em voos com escalas, mas o jogo acabou por nem acontecer. Também tínhamos definidos os prémios de jogo com os jogadores e a partir daí esse dinheiro, que era importante para eles, passou a chegar tarde ou a ser uma mão cheia de nada. Em setembro eu disse ao presidente: “assim, entramos em campo já a perder 1-0”.

«Senti que ali me iria desmotivar»

A saída consumou-se no início deste mês de novembro, quando, a poucos dias de nova data FIFA, o contrato terminou. Após ponderação, Orlando rejeitou a proposta de renovação e regressou a Portugal com objetivos traçados.

zerozero: Agora, no início de novembro, optou por não renovar e saiu. Decisão fácil ou difícil?

A seleção de Barbados @Orlando Costa – Redes Sociais

Orlando Costa: Difícil porque para mim seria mais cómodo ficar, renovar e ter mais um ano com o salário a cair na conta ao final do mês, mas eu senti que ali me iria desmotivar. A perfeição pode ser inalcançável, mas eu sou perfecionista. Disse ao presidente tudo isto, fui genuíno, e no fim ele abraçou-me e desejou-me felicidades, um pequeno gesto que me tocou muito. Sei que continuaremos em contacto.

zz: Esquecendo o futebol por instantes, como recordará o ano que viveu em Barbados? Como era essa pintura que via todos os dias nas Caraíbas?

OC: Era um clima moderadamente tropical, com paisagens paradisíacas e temperaturas entre os 21ºC e os 35ºC durante o ano todo. A temperatura da água também chega aos 30ºC. Eu? A minha vida não diversificava muito. Desfrutei da praia e eu, como sou um perfecionista, fui aproveitando o tempo para ler e para tentar inovar no treino. De resto, acompanhava a liga local e tentava ver todos os jogos de Portugal, da Primeira e da Segunda Liga.

zz: E agora chega a Portugal, neste frio de outono. Que tal lhe está a saber?

OC: Quando cheguei estava a chover, com menos 20 graus que lá. Ontem e hoje já tomei uns comprimidos porque estou com dor de garganta, enquanto lá não tive absolutamente nada! Mas a primeira das minhas duas paixões é a família, é esse o meu outro projeto, e por isso regressar a casa ao fim de 11 meses é uma grande alegria. Estar com os meus filhos Hugo, Diana e Inês Maria, com a minha mulher, com o resto dos meus…

zz: O Orlando tenciona ficar por cá?

OC: Para já, o plano é desfrutar. Se me perguntares se prefiro crescer aqui e atingir patamares de excelência no meu país? Claro que sim. Mas tenho responsabilidades financeiras, quero aprender, e por isso aproveito todas as oportunidades. O dinheiro não é tudo, mas venho de origens humildes e aprendi muito cedo que a vida custa, por isso já perdi alguns anos de crescimento dos meus filhos à procura de fazer o melhor possível no futebol. 

zz: Quer, idealmente, instalar-se em Portugal, sem saber se o poderá fazer. Ter sucesso cá é o principal objetivo?

OC: A minha prioridade era ficar em Portugal. Gostaria de entrar no mínimo numa Segunda Liga, mostrar o meu trabalho aos portugueses e, se me deixarem, atingir patamares de excelência para que a médio ou longo-prazo pudesse almejar o nível europeu ou outros projetos ambiciosos noutros continentes.


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