Os Caminhos da Liberdade Religiosa em Portugal é o título de uma exposição que pode ser vista em Lisboa, na Assembleia da República, no Átrio Principal do Palácio de S. Bento, até ao dia 15 de Abril. A mostra cumpre plenamente a pretensão manifestada pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, de “incentivar a reflexão pública sobre a liberdade religiosa e sensibilizar os atores políticos e o conjunto da sociedade portuguesa para a enorme riqueza que significam o pluralismo religioso e o diálogo entre religiões”. A exposição tem a coordenação científica do jornalista António Marujo, coordenador também do magnífico catálogo, que, além de guardar adequadamente a memória da iniciativa, documenta as adversidades e os dramas por que tiveram de passar os crentes de várias religiões até verem consagrados os seus direitos de culto.
O catálogo é muitíssimo instrutivo. “Durante séculos, Portugal teve uma confissão dominante e a questão da liberdade nem sequer se colocava; a falta dela, aliás, deixou páginas negras na nossa história”, observa António Marujo, que faz o inventário daqueles que foram, no século XX, os mais significativos momentos de opressão ou de resistência num percurso que conduziria, há duas décadas, à Lei da Liberdade Religiosa.
A legislação aprovada pela Assembleia da República é, para o autor e director do 7 Margens, “uma das mais avançadas do mundo, tendo em conta que a liberdade religiosa é um bem precioso, ainda difícil de alcançar em vastas zonas de África e da Ásia, bem como em zonas concretas da Europa Oriental, Médio Oriente e América Latina”.
Apesar dos progressos, subsistem questões a aprofundar em matéria de liberdade religiosa, como, por exemplo, as que indica o pastor Jorge Humberto, da Aliança Evangélica Portuguesa, relativas às dificuldades que as confissões minoritárias têm quanto à assistência religiosa em hospitais, prisões e forças armadas.
Diversos autores recordam alguns portugueses, uns mais conhecidos do que outros, que lutaram pela liberdade de consciência, de religião e de culto. Neste momento em que, mesmo em Portugal, alguns gostariam de a cercear, impedindo alguns cultos, vale a pena evocar os ilustres exemplos de Aristides de Sousa Mendes, Joaquim Alves Correia, Arthur Carlos de Barros Basto, Abel Varzim, Joaquim Carreira, João Pedro Miller Guerra, Manuel Antunes, Eduardo Duarte Vieira, Nuno Teotónio Pereira, Mário Soares, Maria de Lourdes Pintasilgo, Manuela Silva, Francisco Sá Carneiro, Bento Domingues, José Dias Bravo, António Dimas de Almeida, Suleiman Valy Mamede, José Manuel Leite e Mário Mota Marques.
A lista poderia evidentemente ser mais longa como, aliás, se pode comprovar no próprio catálogo. Um dos ex-parlamentares que – a par de João Bosco Mota Amaral e Jorge Miranda ou do conselheiro José Sousa e Brito, principal autor material da lei de 2001 – testemunha sobre o tema, José Vera Jardim, obreiro da decisão política de dotar Portugal da nova lei que substituiria a de 1971, destaca, em entrevista, a exemplaridade dos bispos D. Sebastião Soares de Resende e D. Manuel Vieira Pinto, maltratados pelo Estado Novo em consequência de serem favoráveis à autodeterminação dos povos africanos. Um recorte do Diário Popular de 14 de Junho de 1966 identifica as 35 mulheres e os 14 homens, Testemunhas de Jeová, que estavam a ser julgados em Lisboa, no Tribunal da Boa Hora, por terem participado numa reunião em que se repudiou a obrigação de cumprir o serviço militar e, portanto, de combater na guerra colonial. No capítulo sobre “as dissidências” no Estado Novo, o livro referencia também a Comunidade Islâmica de Lisboa, as Comunidades Judaicas, as vigílias católicas pela paz (a mais conhecida é a da Capela do Rato).
“Como olham os jovens para a liberdade religiosa” é um capítulo algo inesperado, mas particularmente eloquente. Através da voz de jovens de diferentes confissões religiosas (ou filosofias de vida, como diz Raj Popat, um jovem hindu) percebe-se a dimensão da preciosidade desse bem que é a liberdade religiosa, de que pode nascer o bom fruto do diálogo inter-religioso. Um jovem judeu, Rafael Ruah Arié, a este propósito, referiu a experiência recente, ocorrida durante a Jornada Mundial da Juventude, de ter plantado árvores no Jardim Botânico com jovens de todas as outras religiões, “o que só é permitido num país onde todos se dão bem e vivem em harmonia”.
Os benefícios desta concórdia são igualmente acentuados por Peter Stilwell, relembrando uma iniciativa de João Paulo II, que, em Outubro de 1986, promoveu o primeiro Encontro de Assis, em que participaram altos representantes das principais religiões de todo o mundo que se comprometeram a promover a paz entre os povos. Este gesto até então inédito, evocou, como diz ainda Peter Stilwell, “o desprendimento e o espírito de fraternidade universal de S. Francisco de Assis”.
O catálogo regista as iniciativas que, neste século, fomentaram em Portugal o diálogo inter-religioso, um exemplo, aliás, para outros sectores da sociedade portuguesa. Como o coordenador de Os Caminhos da Liberdade Religiosa em Portugal também lembra, esta proximidade entre diferentes requer um esforço constante.
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