Onde eu estava… por Marcos Olímpio Santos

Sou filho de uma cabo-verdiana e de um português. Os meus pais conheceram-se em São Vicente, pouco depois do meu pai ter saído da prisão do Tarrafal. Quatro anos numa das prisões mais duras, deixando na metrópole uma família: mulher e filhos, meus meios-irmãos.

As memórias de Cabo Verde são vagas. Lembro-me do mar, da praia e de alguns meninos. Cheguei à Metrópole com 5 anos. Vim com os meus pais. A minha mãe regressaria a África ao fim de uns meses. Eu fiquei no Alentejo, onde fiz a escola primária e o curso do Comércio.

Em março de 1974, trabalhava no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Évora, na parte administrativa. Pertencia ao PCP. Na pequena quinta em que vivíamos recebia por vezes camaradas clandestinos, em estadias de cinco, seis dias, amigos que apresentava ao meu pai e à sua companheira, minha madrinha, como sendo antigos colegas de tropa. Foi assim, por exemplo, com Edgar Correia, pai de Fernando Medina.

Na minha ideia, ninguém na família desconfiava que eu pertencia ao partido. Que distribuía propaganda. As visitas regulares – duas a 3 vezes por semana – da GNR ou de inspetores da PIDE que disparavam uns tiros para o ar, eram justificadas com o passado paterno, mau grado o meu pai ter consigo mudar de nome: para poder sobreviver e ter algum sossego, José Francisco do Santo deu lugar a José Trovisco.  

Em março de 1974 eu tinha 27 anos e continuava a não saber o que o meu pai sofrera no Tarrafal. Aqueles quatro anos permaneciam só dele, despertando-me muita curiosidade. Em miúdo, na cama, quando todos me julgavam adormecido, tentava apanhar a conversa dele com os meus tios sobre os espancamentos e as horas na ‘frigideira’- um cubículo colocado à torreira do sol, onde mal se cabia de pé, desenhado à medida da repressão do Estado Novo. Anos mais tarde, fiz questão de visitar aquele campo de horror.

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