o casal inglês que se mudou para Portugal para fazer de estátuas – NiT

Existem negócios de família mais comuns do que outros. É normal ouvirmos histórias de empresas que passam de país para filhos ou restaurantes onde todos os funcionários partilham alguma ligação de sangue. Mas os Selway funcionam de forma diferente. No seio do lar, começaram um galardoado duo de estátuas vivas.

A estátua viva (ou estátua humana) é uma performance artística realizada em locais públicos, onde é imitada uma estátua. Esta é a paixão improvável do casal inglês Lena e Doug. Os dois viviam em Gloucestershire, onde ele trabalhava como engenheiro mecânico de motos e ela era secretária de uma empresa. Em 2002, decidiram mudar completamente de vida e mudaram-se para Portugal, para Tomar, local onde nasceu a mãe de Lena (que ainda vive com eles). No ano passado, mudaram-se de novo, desta vez para o Entroncamento.

O interesse por esta arte nasceu há 12 anos, quando os filhos, Toby e Todd, começaram a frequentar cursos de António Santos, um artista português que é considerado como o maior mestre em estátuas vivas — o seu nome artístico é Staticman. Os jovens começaram a atuar em festivais, enquanto os pais os ajudavam com os figurinos e a maquilhagem, nos bastidores. Tudo mudaria no dia em que António os convidou para atuar em família, num evento em Sintra.

“A partir desse momento, esta arte agarrou-nos fortemente e enviou-nos numa viagem inspiradora”, conta o casal à NiT.

Essa viagem, porém, foi apenas de Doug e Lena, uma vez que os filhos acabaram por perder o interesse e seguir carreira noutras áreas. Toby, tem 25 anos e é programador de software, enquanto Todd, 22, é mecânico de automóveis. Tal como o grande mentor António Santos, o casal britânico também adotou um nome especial: Selway Statues. Levaram esta paixão tão a sério que, pouco tempo depois, venceram o Campeonato Nacional de Estátuas Vivas do Reino Unido e chegaram ao terceiro lugar no World Living Statues, que acontece nos Países Baixos. Venceram ainda prémios em Espanha, Espinho, Santa Cruz e Vila Real

Mas antes de toda esta glória, houve um longo caminho e preparação. “As maiores dificuldades prendem-se com o facto de termos de estar concentrados perante inúmeros desconfortos. Nomeadamente, o frio, calor, moscas, espirros, tosse”, explicam. “É fenomenal como uma mente focada tem a capacidade de superar todos estes obstáculos”.

Existe também a dificuldade extra de manter a seriedade durante as cenas, “especialmente naquelas mais divertidas”, mas também nas partes em que são interrompidos por partes de música ou dança.

“Isto requer uma grande concentração, não é fácil voltar, imediatamente, a um estado de quietude após uma explosão de música e dança de 20 segundos, mas fazemos isso com o nosso espetáculo ‘Electro Swing’, ‘Ragtime’ e ‘Ooh Chocolate’”.

Há outra dificuldades que, segundo as estátuas vivas, as pessoas nem “imaginam”: a preparação para as atuações. “No trabalho, as maiores preocupações são sustentar uma carreira e ser remunerado de forma justa. O que as pessoas não percebem é como uma atuação que dura cerca de três horas envolve até duas horas de preparação – para nos vestirmos e maquilharmos – e uma hora para limpar, com a viagem ida e volta do evento acaba sendo um dia inteiro de trabalho”.

Além disso, ainda existem os custos das viagens e da criação dos próprios figurinos.

“Algumas pessoas veem apenas o espetáculo, sem pensar no trabalho e nos gastos necessários para que isto aconteça. É fácil comprar uma fantasia, maquilhar-se e sair à rua, mas não é assim que fazemos isto. Qualidade e profissionalismo, atenção aos detalhes das cenas e da maquilhagem e, claro, a execução crítica da quietude, são a chave para nós”.

Perante todas as dificuldades, o que prendeu Lena e Doug — que têm 61 e 63 anos, respetivamente — a esta pouco ortodoxa arte foram mesmo os pormenores de criar as personagens, o trabalho de maquilhagem e a própria performance,

“É uma forma de arte onde a performance exige total concentração, autocontrole, dedicação, força psicológica e física. Quando atuamos, entramos no nosso mundo e na cena. Podemos ter muitas preocupações, mas quando atuamos as nossas mentes estão livres, é uma fuga”, confessaram.

Entre as interpretações que mais gostam de fazer está a cena do “Dia de Mercado”, onde imitam vendedores e que é uma homenagem à avó da Lena; ou a imitação de Doug da personagem de Scrooge, no livro “Um Conto de Natal”, escrito por Charles Dickens.

“As cenas que nos dão prazer são aquelas onde existe uma quietude máxima que fazem o público questionar se somos estátuas de verdade ou não”, dizem à NiT. “Quando existe essa dúvida sabemos que estamos a trabalhar bem”.

Os Selway Statues estão presentes regularmente em vários eventos em Portugal. Por exemplo, nas celebrações de elevação a cidade de Tomar, em fevereiro deste ano, representaram Dona Maria II e o Conde de Tomar. O casal explica que nesses casos é normal existir um maior trabalho de estudo.

“Quando nos é dado um papel específico temos de fazer pesquisa. isso é importante especialmente com figuras históricas. No caso da Dona Maria II e do Conde Costa Cabral, procurámos os retratos para os recriar da melhor forma possível. Os adereços também acrescentam atmosfera e obviamente a cena que está a ser feita, o ato sereno de elevar Tomar a cidade requer poses serenas”,.

Neste momento, Lena e Doug estão a trabalhar nesta cidade em personagens de Natal, mas também em workshops relacionados com estátuas vivas. “Este ano, organizámos com a  Câmara Municipal de Tomar workshops na arte das estátuas vivas com uma apresentação de muito sucesso em setembro. Por isso a nossa esperança é que possamos continuar com isto. Gostamos de partilhar as nossas experiências e conhecimentos e aprender com pessoas novas. Agradecemos às Câmaras Municipais pelo apoio e valorização da nossa arte e daqueles que fazem essas oportunidades acontecerem”.

Além do trabalho que estão a desenvolver em Portugal, esperam conseguir voltar a levar estas atuações para a Bélgica e para os Países Baixos no próximo ano. “Vamos continuar a trabalhar enquanto os nossos corpos permitirem. Esta arte não tem limite de idade. Adoramo-la com paixão”.

Lena e Doug do Selway Statues podem ser contactados para se apresentarem em qualquer evento através da página no Facebook ou através do mail, selwaystatues@nullgmail.com.

Veja a galeria com mais disfarces do casal.