A África subsaariana tem feito progresso constante na distribuição de medicamentos que salvam vidas para adultos, mas os pacientes jovens são mais difíceis de alcançar
Há 47 anos, nesta mesma data, crianças africanas saiam as ruas de Joanesburgo, na África do Sul, para protestar a falta de qualidade no ensino e reivindicar o direito de aprender em suas línguas maternas e em inglês em vez do idioma africâner. O idioma estava intimamente ligado com o regime opressivo do país.
A polícia disparou contra esses estudantes, matando centenas e deixando mais de mil feridos. Em 1991, em memória dessas crianças, a Organização da União Africana (OUA) instituiu 16 de junho o “Dia Internacional da Criança Africana”.
Entre os debates, está a garantia do direito integral à saúde, mas quando afunilamos a discussão para a epidemia de HIV/aids, há muito a ser feito. Nos deparamos com o fato de que ainda hoje a aids no continente africano é um grave problema de saúde pública. A região é a mais impactada e a que mais sofre de agravos em decorrência da doença no mundo.

De acordo com o mais recente relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids), em 2021, 99 mil crianças na África Subsaariana morreram de causas relacionadas à aids. O mesmo levantamento apontou que 2,4 milhões de crianças e adolescentes na região vivem com HIV/aids, mas muitas delas sequer foram diagnosticadas.
Sozinha, em 2020, a África ao sul do Saara foi responsável por 89% de todas as novas infecções pediátricas por HIV no mundo. A aids também é a principal causa de mortalidade de adolescentes em mais 12 países da África Oriental e Meridional.
Ativismo

Conversamos com quem tem vivido e lutado contra essa realidade de perto: a articuladora e ativista pela causa da aids em Moçambique, Célia Guambe. Ela é representante e coordenadora geral da ONG AME (Ação de Mulheres pela Equidade) no país, e também integra a ICW Mozambique (Comunidade Internacional da Mulher).
Em entrevista à Agência Aids, ela divide que a realidade do HIV entre as crianças africanas, especialmente as moçambicanas, não é nada fácil. De acordo com Célia, a epidemia ainda impõe limites e desafios, além de deixar sequelas avassaladoras.
Ela reforça que apesar dos significativos avanços conquistados na resposta ao HIV/aids, como por exemplo a ampliação da cobertura de TARV (Terapia Antirretroviral), redução do número de novas infecções e diminuição da mortalidade por HIV/aids em alguns países, o continente ainda coleciona dificuldades locais e sofre com o descaso mundial.
Segundo a ativista, na África as desigualdades sobrepostas que a população sofre, desaceleram o fim da doença. Ela faz a afirmação destacando a desigualdade de gênero e a descriminação contra as pessoas vivendo com HIV/aids.
“Em Moçambique, as mulheres são mais vulneráveis porque a maior parte delas não são independentes financeiramente. Por conta da pobreza de suas famílias, decidem sair da casa dos pais para casarem novas e muitas se infectam por seus maridos que são HIV positivo e têm duas ou três mulheres”, complementou.
De acordo com Célia, isso abre margem para que estas mulheres engravidem e infectem seus filhos. Entretanto, frisa que no seu país, dentro de suas limitações, o governo Moçambicano tem se esforçado para conter a transmissão vertical, fortalecer o controle social da epidemia e implementar ações de enfrentamento.

“Eu diria que temos um governo ativo, há alguns anos nem antirretrovirais existiam, mas pelo esforço que o governo faz por nós, o tratamento já é dispensado e gratuitamente. Os principais desafios estão relacionados ao estigma e a discriminação, falta de informações, pobreza… muitas pessoas não abrem sua sorologia por medo do preconceito”, falou.
Luta por melhores medicamentos
Outro desafio que as crianças vivendo com HIV enfrentam estão relacionados a medição. “O medicamento tem gosto desagradável e muitas crianças não tomam ou os pais não dão porque quando seus filhos tomam, perdem o apetite depois de ingerir. Nós temos lutado por melhores remédios.”

Descaso mundial
A entrevistada não deixou de pontuar que as principais questões estruturantes em Moçambique e dos africanos, sobretudo os negros em diáspora, tem relação direta com o processo de colonização e exploração histórica pela Europa. “O mundo não olha para a África. Em termos de recursos, tínhamos tudo para viver bem, mas os colonizadores vieram e tiraram isso de nós. Os estrangeiros ainda vem explorar os nossos recursos. O que temos de potência infelizmente não é usado de benefício a nós”, narrou.

Para ela, o euro centrismo – visão de mundo que coloca a Europa como o centro da civilização -, negligência uma produção científica que contemple a África. “Temos muito trabalho a fazer, mas eu sou otimista, acredito no desenvolvimento de África. Eu espero que em um futuro próximo a África brilhe. Às crianças desejo as flores que nunca murcham. Mais saúde, humanidade e dignidade para elas”, finalizou.
Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)
Dica de entrevista
Célia Guambe
E-mail: celyguambe1@gmail.com
Crédito: Link de origem



Comentários estão fechados.