Kavita Shah esteve em Portugal para três concertos, passou pelo CCB, em Lisboa, e a Casa da Música no Porto. A passagem pelo nosso país fez parte da digressão que a cantora norte-americana está a fazer, que teve início com dez concertos nos Estados Unido, de Portugal partiu para Cabo Verde, onde atuou no Mindelo e na cidade da Praia, e vai terminar com um concerto a 2 de dezembro, no club de jazz Le Bal Blomet, em Paris. A nova-iorquina tem sido acompanhada por músicos que vivem em Cabo Verde e em Portugal, e só agora, após a pandemia, foi possível junta-los para a apresentação do seu terceiro álbum, Cape Verdean Blues. Um disco preparado com a colaboração do guitarrista cabo-verdiano Bau, que fez parte da banda de Cesária Évora, e que é também uma presença indispensável nos concertos de Kavita Shah.
Kavita assistiu a um concerto de Cesária Évora quando tinha vinte anos e morava em Salvador da Bahia. A experiência de ver a diva cabo-verdiana ao vivo marcou a cantora, que não ficou indiferente à sua força e profundidade.
“Foi sobretudo a morna de Cesária que me chegou ao coração. Acho que a morna é uma espécie de blues. É um sentimento de saudade, que eu já conhecia. Por ter vivido numa casa, numa família de emigrantes. É uma sensação que já vivia dentro de mim. Uma coisa que tenho aprendido ao cantar a morna, e a observar Cesária, é que quer seja uma canção dura ou alegre, ela tinha uma forma de cantar onde não pontuava, não acentuava o sentido, era somente um veículo para aquela canção. Isso é um modo meio ‘zen’, uma forma de aceitar a vida como ela é. Sendo uma pessoa tão simples, era extraordinária. Eu tento fazer uma percentagem do que ela fazia, para tentar compreender como posso aceitar a minha própria vida tal como ela é”, afirma Kavita Shah.
A vontade de conhecer Cabo Verde foi inevitavelmente concretizada. “Quando fui em 2016, logo me encontrei com Bau, mas não foi esperado, foi uma casualidade. Fui apresentada, nem sabia quem era o Bau, ia para uma aula de cavaquinho na sua casa. Foi aí que compreendi quem ele era. Assim que o ouvi tocar, deixei o cavaquinho de lado e só queria cantar com ele. Foi um processo muito natural, nunca tinha pensado em gravar um disco de música cabo-verdiana. Foi uma troca de um músico para outro. Passámos horas em casa dele falando sobre música, trocando gravações que eram interessantes para cada um de nós. Mostrou-me muitas coisas de Cabo Verde, não só de Cesária, mas de outros compositores também. Desenvolvemos um repertório, juntos, e começámos a fazer concertos”, refere Kavita.
Voltou a Cabo Verde em 2018 para fazer uma pesquisa mais profunda sobre a música cabo-verdiana, a morna e a coladeira em particular, e aí surgiu a ideia de gravar alguns temas. Depois de muitos concertos, incluindo uma atuação no Festival Kavala Fresk, Kavita achou que o trabalho realizado podia ir a estúdio para ter algumas recordações. “Quando fomos para estúdio, divertimo-nos tanto que acabámos por gravar dez canções. Surgiu a ideia de fazer um disco, o Cape Verdean Blues”, lembra a cantora. Começou pelas músicas de Cesária Évora que já conhecia, foi uma forma de aprender o crioulo e entrar na música. “Amor di Mundo, de Teófilo Chantre, Angola, de Ramiro Mendes, Flor di Nha Esperança, a morna Cize. Depois fiz amizade com muitos compositores, como o Morgadinho, que hoje tem mais de noventa anos, era um grande cantor e trompetista do conjunto Voz de Cabo Verde. Até escrevi com ele uma morna para este disco, ele escreveu-me um poema sobre a minha estadia em Cabo Verde, aprendendo a cantar a morna. Também fiz amizade com o Vasco Martins, grande compositor, sobretudo na música clássica, mas que tem também umas mornas muito bonitas. Fizemos o Situações Triangulares, uma valsa instrumental, também Um Porta Aberta, uma morna espectacular do Vasco, que tem a tradição, mas também um crioulo muito dele. Como sou de ascendência indiana, queria compartilhar a minha cultura com o Bau e com os outros músicos, e fizemos uma canção chamada Chaki Bem. É uma canção de ‘ninar’ que os meus pais me cantavam quando era pequena. Canto esta canção onde quer que vá. É fácil e dá para qualquer músico entrar e trocar ideias, adaptámos o Chaki Bem a um ritmo cabo-verdiano, o kola son jon. O disco também tem uma música do Djavan, Flor de Lis. Muita gente me pergunta porque tenho uma música brasileira numa compilação de Cabo Verde, mas tem sido uma influência muito grande, sobretudo na guitarra cabo-verdiana. Esta música foi uma referência para mim, sendo uma pessoa que foi para o Brasil estudar português porque amava cantar música brasileira, e uma referência também para o Bau. Como estamos sempre de trocar aquelas coisas que mais gostamos, foi uma forma de nos conhecermos e com muito gosto tocamos o Flor de Lis. Tenho também Sodade, o hino da Cesária. É um hino pessoal, meu, porque o gravei no meu primeiro disco, com uma instrumentação muito diferente”, revela Kavita Shah.
O titulo Cape Verdean Blues, do seu terceiro disco, vem de uma canção do pianista norte-americano, de jazz, Horace Silver. Descendente de cabo-verdianos. “Era importante para mim, homenagear o legado de Horace neste trabalho. Fazer a conexão entre o blues, o jazz americano, e a morna. Porque a sensação de saudade é uma espécie de blues”, afirma a cantora
Uma das músicas do álbum é Joia. Um original de Boy Gé Mendes gravado por Kavita, que tem agora um videoclipe disponível. “É interessante, porque soube que o Boy Gé Mendes cresceu em Dacar (Senegal), e foi através dos doces, ou da ‘sucrinha’ que a sua mãe trazia que descobriu a terra, Cabo Verde. Sempre pensei que fosse uma canção de amor, que é, mas é uma canção para a sua mãe. Para mim, mostra a beleza da mulher cabo-verdiana, e para a homenagear resolvi fazer um videoclipe”, adianta a cantora norte-americana sobre as gravações que contaram com a ajuda de uma chuva amiga que deixou a paisagem das ilhas de São Vicente e Santo Antão mais verde.
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