Guiné Bissau: um milagre natural – Viajante

Belmiro Lopes é bijagó, tem 37 anos, dois filhos e duas mulheres. É guia turístico numa parte do ano e agricultor na outra. É também um pescador de excelência e um homem que tem sempre um sorriso pronto a esboçar. É ele o anfitrião de quem visita a ilha de Orango e é ele que guia os visitantes quando chega a altura de ver os hipopótamos de água salgada ou as tartarugas acabadas de desovar. É também um guardião dessa mesma natureza e um homem que ajuda a manter viva a tradição dos bijagós, transmitindo as lendas que se contam na sua aldeia, preservando um povo que escolhe viver longe dos grandes centros urbanos e em constante comunicação com a natureza.












Poilão, paraíso para a desova das tartarugas, cuja sobrevivência é ameaçada pela poluição

Milhares de pessoas ainda moram em tabancas tradicionais nos Bijagós

Os hipopótamos são grande chamariz de turismo

Os meses de outubro e novembro são os melhores para quer quer ver estes ‘peixe cavalo’

Barco e canoa são os meios de transporte mais eficazes







Mas a preservação da natureza e de uma cultura não pode ser feita apenas por um homem (mesmo seja o homem dos sete ofícios como Belmiro) e dezenas de organizações guineenses e outras internacionais têm lutado para ajudar a manter os habitats das tartarugas, dos hipopótamos e de outras espécies, ao mesmo tempo que melhoram as condições de vida de quem vive nas ilhas do arquipélago dos Bijagós. Ana Maroto, bióloga da CDB Habitat, a ONG espanhola que trabalha com a ilha de Orango, explica que a sua missão é, acima de tudo, dar melhores condições de saúde aos bijagós, já que são eles os guardiões da biodiversidade. Isso passa não só por trazer turistas à ilha para angariar fundos, mas também por garantir que as escolas locais e o centro de saúde funcionam.

Pelo caminho, assiste-se a momentos que quase podem ser considerados “mágicos”, como ver tartarugas bebés a eclodir dos seus ovos numa ilha deserta e a arrastarem-se até à água, hipopótamos de água salgada a “hipopotamar” numa lagoa ou observar centenas de espécies de aves a partilhar o mesmo espaço. Nos Bijagós “acontece África” tanto como na cidade de Bissau, simplesmente “acontece” uma África diferente das milhares de Áfricas que existem.




Na Guiné-Bissau há grande diversidade de plantas e aves


Como ir?
A TAP (flytap.com) voa diretamente de Lisboa e do Porto para Bissau a partir de 685 euros, ida e volta. A SÁBADO Viajante voou com a companhia aérea portuguesa.

Os brancos em Bissau
Sair de um avião que descolou de Lisboa às primeiras horas da manhã de um dia frio e aterrar no aeroporto de Bissau tem um efeito imediato: o suor começa a escorrer pelas têmporas e pelas costas. Se em Lisboa eram precisas várias camadas e um cachecol, em Bissau está aquele calor húmido que pede camisas de algodão e calções. Depois de se descer do avião espera-se um pouco na pista para embarcar num autocarro que levará os recém-chegados até ao terminal. Depois de todos estarem acomodados dentro do veículo inicia-se o trajeto que demora aproximadamente 37 segundos a completar. É mais rápido seguir a pé para o terminal, mas os protocolos aeroportuários não são para discutir.

E se a pista do Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira tem um ambiente tranquilo (há meia dúzia de movimentos por dia), o parque de estacionamento mostra uma realidade totalmente diferente. Centenas de táxis azuis, alguns num estado de conservação questionável, estão constantemente em movimento, centenas de pessoas amontoam-se à entrada do terminal. Alguns para embarcar no próximo voo de saída da Guiné-Bissau, alguns para vender frutos secos, água ou bananas aos recém-chegados.

Bissau é uma cidade vibrante, cheia de vida. Há sempre movimento e barulho, quer seja pelas buzinadelas quer pela música alta que sai de um carro artilhado com colunas que bombam os últimos êxitos dos artistas locais ou de uma estrela internacional. E se o barulho não vem dos carros, são as vozes dos milhares de pessoas que palmilham a Rua dos Antigos Combatentes da Pátria que se fazem ouvir. Crianças a caminho das aulas, vendedores ambulantes a apregoar os seus produtos, lojistas a tentar atrair clientela, ou animais a ladrar, cacarejar ou grunhir (pois há porcos, galinhas e cães à solta na rua).






A CBD Habitat ajudou a recuperar tradições antigas, como as danças


É nesta avenida, a principal de Bissau, que se encontra o grande mercado ao ar livre, o mercado do Bandim. Ao longo de mais de um quilómetro levantam-se milhares de postos de comércio. Por vezes é apenas uma toalha estendida no chão em cima da qual em esquemas cromáticos exóticos são espalhadas malaguetas, limões, laranjas e ervas aromáticas, e noutros são barracas cheias de peles de animais, de coberturas feitas com pelo de cabra ou pele de cobra ou de crocodilo que chegam a atingir mais de cinco metros de comprimento. Há ainda as lojas onde se vendem as capulanas ou panu di pinti (pano de pente, em português) da Guiné-Bissau, uma tradição têxtil do país.

A presença de jornalistas carregados de material fotográfico ou a tomar notas do que veem não passa despercebida aos vendedores. Há quem ofereça amostras de caju para depois tentar vender alguns sacos desta preciosidade deliciosa e quem queira apenas uma interação. O chamamento é sempre o mesmo: “Ó branco.” Não há maldade alguma nesta forma de tratamento, de subversão, apesar de a princípio poder ser desconcertante, mas é um desconforto de curta duração e quem acede aos chamamentos encontra novas camadas. De “barracões” com corredores que se estendem por dezenas de metros em que as paredes estão forradas de capulana ou objetos artesanais feitos ali, no momento. É também pelo chamamento de “branco” que conhecemos Malan, jovem guineense de 15 anos que nos confessa o seu sonho: “Eu quero ir para Coimbra estudar direito. O meu avô viveu lá, mas agora mora em Queluz e disse para eu ir estudar para lá quando for para a universidade.” Malan assegura-nos que Portugal e Guiné-Bissau são “países irmãos” e que gostam tanto de nós como nós gostamos deles.

Uma curiosidade percetível ao caminhar pelo mercado de Bandim é que, ao contrário do que acontece em quase todo o mundo, Cristiano Ronaldo não é o português mais acarinhado pelos cidadãos guineenses. Claro que há inúmeras crianças com T-shirts da seleção nacional e o nome do avançado, mas também as há de Messi, Bernardo Silva e Neymar Jr. Mas o nome que os guineenses mais referem associado a Portugal é o do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. E a seguir ao do Presidente era o nome de António Costa que mais se ouvia. (Curiosamente, enquanto estivemos em Orango foram lançadas as buscas da Operação Influencer que culminaram com a saída do chefe do Governo.)






Por ano, milhares de tartarugas nascem no arquipélago de Bijagós


Outra coisa que deixa marca em quem caminha por este mercado é o cheiro. Apesar da quantidade brutal de carros que passam na estrada e do lixo ao ar livre, de poucos em poucos metros as narinas são surpreendidas por um cheiro doce e ao mesmo tempo picante. É o odor libertado pelas malaguetas (pequenas, vermelhas e verdes e espalhadas em toalhas em molhinhos de muitas dezenas) que as mulheres vendem. E se não são as malaguetas a libertar o cheiro que hipnotiza, ele vem de um grelhador improvisado onde são cozinhadas moelas de galinha, servidas em espetadas, bem condimentadas. Se a comida de rua não é a sua praia, Bissau tem uma série de restaurantes simpáticos por onde escolher, tendo muitos deles inspiração portuguesa e há uma certeza: os ingredientes são sempre de excelência.

Onde Dormir?
Em Bissau, existem várias opções de alojamento, como o Hotel Império, o Bissau Royal Hotelou e o CEIBA. A SÁBADO Viajante ficou hospedada nos dois últimos. O primeiro tem quartos a partir dos 155 euros e é um business hotel à antiga, com salas de conferência e salão de baile. É usado para casamentos e encontros de empresas. O hotel é completado com um bar aberto toda a noite e uma piscina no telhado. O CEIBA é um business hotel mais contemporâneo, com um aspeto muito polido, quase de catálogo e ocidentalizado. Os preços são semelhantes aos do Bissau Royal, bem como o conforto. Saiba mais em bissauroyalhotel.com e booking.com

Breve história
A Guiné-Bissau fez parte do Reino de Gabu e do Império do Mali. Os portugueses chegaram no século XVI. A independência foi declarada em 1973, depois de uma violenta guerra colonial, e reconhecida em 1974. Seguiu-se instabilidade política, com sucessivos Governos, golpes de Estado e assassinatos políticos. Nos últimos anos, o país tem sido visto como entreposto do tráfico internacional de droga.





Orango, paraíso bijagó
Depois de um dia em Bissau, é altura de embarcar para Orango, a ilha onde se veem hipopótamos e de onde vamos partir para ver as tartarugas. A viagem até a Orango não é para todos. Para começar, embarca-se a partir num porto que é meio rocha meio lodo. Depois podem verificar-se peripécias como a necessidade de mudar o motor de barco porque o anterior deixou de funcionar, como aconteceu aquando da nossa visita. Foram cerca de duas horas de atraso na viagem salvas pela mancarra (amendoim tostado) e por cervejas fresquinhas trazidas pela equipa do Orango Parque Hotel. Mudado o motor, o barco faz-se ao mar e começa a viagem de quatro horas no barco-táxi. Muitas vezes esta viagem traz habitantes de Orango e animais, mas desta vez são apenas jornalistas e funcionários do parque.

Apesar de o mar ser bastante tranquilo, há momentos em que as ondas provocam alguns solavancos mais bruscos que não são muito gentis para as costas. E o tempo que se vai encontrar é sempre uma incógnita: será que vai estar sol? Será que há vento? Será que vai chover? Será que se vão experimentar todas as condições meteorológicas referidas anteriormente? A resposta é, muitas vezes, “sim”.






O Orango Parque Hotel quer tornar-se uma referência do turismo africano sustentável


Durante a viagem observam-se várias das ilhas que constituem o arquipélago, bem como algumas povoações e hotéis até que se chega a Orango, a mais longínqua das ilhas habitadas dos Bijagós. A entrada é feita por uma praia com uma língua de areia de alguns metros que dá a uma zona de mato cerrado. A praia e a entrada da ilha fazem adivinhar um pequeno paraíso plantado no Atlântico e é exatamente isso que Orango é. A alguns metros da água ergue-se o Orango Parque Hotel, uma estrutura que tem vários objetivos, sendo o principal a conservação da natureza.

O projeto nasceu ali em 2007. A propriedade foi comprada pela fundação suíça Mava e doada ao Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP), em 2000. Mais tarde, em 2007, foi cedida a exploração do complexo à organização não governamental espanhola CDB Habitat, dedicada ao desenvolvimento comunitário. E apesar de ter como missão principal a preservação da natureza, outro dos grandes objetivos é a preservação da cultura do povo Bijagó. Para ajudar nesse processo, a CDB Habitat de- senvolveu relações profissionais e pessoais com os habitantes, empregando-os no hotel, participando no seu dia a dia e dando-lhes espaço para se expressarem livremente (o hotel inclui um pequeno museu que celebra a sua cultura ancestral deste povo, onde estão representados vários objetos utilizados pelos bijagós para os mais diversos propósitos, desde cozinhar, a caçar ou simplesmente para se entreterem ou transportarem as crianças).






As viagens entre ilhas podem demorar uma a quatro horas e são feitas em lanchas


Além de os bijagós empregados terem recebido formação de hotelaria, houve também aqueles que foram escolhidos para acompanhar os turistas em itinerários de visita ao parque de Orango, que também fazem trabalho de identificação e acompanhamento de espécies animais, como as tartarugas e os hipopótamos, dois dos maiores chamarizes deste ecoturismo.

Os lucros do hotel são todos canalizados para projetos na área da saúde e da educação das comunidades de Orango. Ana Maroto explica que o grande objetivo da ONG é “tentar colocar a Guiné no mapa do ecoturismo”, mas que é uma tarefa difícil. Não só porque a viagem até ali é longa – aconselham a permanência de pelo menos quatro dias em Orango, para acomodar duas viagens de quatro horas de barco -, mas também cara (Ana Maroto calcula que fique à volta de 1.800 euros uma viagem de sete dias). Por isso, a maior parte das viagens são feitas por grupos interessados em ecoturismo e documentaristas que querem ver as tartarugas ou os hipopótamos. Há também aficionados de mergulho e caça submarina que visitam o arquipélago rico em biodiversidade marinha.

O título “ecoturismo” até pode fazer alguns duvidar da comodidade do Orango Parque Hotel, mas desengane-se quem acha que vai ter uma estadia desagradável. Nos últimos anos a ONG apostou na melhoria das condições de acomodamento e construiu várias “cabanas” individuais, com duas camas e casa de banho privativa. São habitações confortáveis e espaçosas cujo maior problema é o calor que se sente durante a noite (até porque é impensável dormir sem estar envolvido por uma rede mosquiteira). Por sorte há ventoinhas em todos os 14 quartos e a possibilidade de dormir com a porta aberta, usando apenas a porta de rede para entrar alguma brisa marítima durante a noite e refrescar. Mas atenção: não é aconselhável ir a mergulhos noturnos porque de noite pode haver hipopótamos que rumem para aquelas partes, avisam os funcionários do hotel.

No restaurante a comida é simples. Muito peixe e arroz, alguma fruta e alguma carne. Há sumos de fruta natural e cerveja, mas também vinho. Não será propriamente cozinha de autor, mas os carpaccios são bastante bons e todos os pratos são servidos em doses generosas. O hotel tentou também não descaracterizar a ilha onde se instalou. As casas obedecem a uma arquitetura tradicional (paredes brancas com o teto coberto por palha) e foi até construída uma “baloba”, uma “casa sagrada” onde se podem apresentar pedidos às divindades bijagós. Sempre que começa uma nova época, os funcionários do hotel fazem uma cerimónia de abertura nessa baloba, conseguindo, dessa forma, manter uma ligação com a cultura bijagó. “Não nos podemos esquecer que são eles os guardiões da biodiversidade e por isso é importante manter a relação saudável”, explica Ana Maroto.

Em Orango moram quase 1.500 pessoas, sendo a maior tabanca a de Eticoga. É uma aldeia em que as casas são de pedra com telhados de zinco e onde as crianças brincam livremente (chegámos na hora de um aguerrido jogo de futebol entre os jovens mais velhos. Os mais novos estavam na lateral a ver e a explicar quais eram os jogadores a que era preciso dar atenção).

Em Eticoga conhecemos a professora do ensino básico, Segunda Domingos Alves, que ensina 35 alunos. Se quiserem prosseguir os estudos secundários têm de ir para Bubaque, a capital do arquipélago dos Bijagós, ou para Bissau. Nessa altura, muitos dos agregados optam por enviar os filhos para viver com outros familiares, já que a viagem para Bubaque demora três horas a fazer e para Bissau são cinco.

Um dos maiores problemas desta tabanca está na saúde. Há um centro de saúde, onde trabalha Zélia Martins da Silva Djo. É enfermeira, médica, parteira e conselheira. No seu centro de saúde tratam principalmente malária, problemas respiratórios e diarreia. E ajudam nos partos que não exijam muito trabalho. Administram ainda vacinas e distribuem preservativos para ajudar a prevenir doenças sexualmente transmissíveis. Zélia não revela quantas pessoas têm VIH na ilha, mas ainda há quem contraia o vírus.

Eticoga é também casa de Okinca Pampa, a rainha dos bijagós e a mulher que resistiu à colonização por parte dos portugueses, motivo pelo qual é amada e reverenciada pelo povo de Orango. A sua casa é um mausoléu de reis da ilha, onde são enterrados todos os monarcas da tabanca, num local que é decidido de forma mística: corta-se a cabeça a uma galinha, onde o corpo cair, é onde se enterrará o rei que morreu. É também para a manutenção destas pequenas tradições que o Orango Parque Hotel canaliza as suas energias e recursos. Outra das tradições que recuperou foi a das danças típicas, um espetáculo testemunhado pelos jornalistas e que pareceu mais um espetáculo para agradar a turistas do que para honrar a tradição: foi ateada uma grande fogueira, os habitantes da tabanca vestiram saiotes e adereços e dançaram em torno do fogo, soltando gritos de alegria e de raiva. E apesar de tudo parecer pouco natural, as crianças mais pequenas da aldeia vibravam ardentemente com o espetáculo e isso faz as delícias de quem ali chega.
E são essas crianças que vêm conhecer-nos. Riem-se, envergonhadas antes de fazer uma pergunta, pedem para tocar no cabelo e ver as máquinas fotográficas. São curiosos e têm alguma vergonha, mas quando veem os visitantes partir, correm atrás das carrinhas sorrindo e acenando e essa simpatia não pode ser falsificada.

Questões
Qual a época alta? A Guiné-Bissau tem duas estações bem definidas: a das chuvas, que dura entre maio e outubro e a seca, entre novembro e abril. Esta segunda é a melhor para viajar pelo país. Na época das chuvas há mesmo unidades hoteleiras que optam por fechar já que as tempestades não aconselham grandes viagens através do mar. É também na época seca que se podem ver os hipopótamos e as desovas das tartarugas. A administração do Orango Parque Hotel explica que depois de setembro, após a época das chuvas, fazem quase sempre uma renovação quase total do hotel, nomeadamente no que respeita às luzes e aos caminhos que o servem.

Onde fica?
A República da Guiné-Bissau fica na África Ocidental, à beira do Atlântico. Faz fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri e tem cerca de 36 mil quilómetros quadrados de área. A população ronda 2 milhões de pessoas.

Lembranças
Há todo um mercado de esculturas, ímanes para frigoríficos e brincos. Pode sempre também comprar as capulanas, ou para ser uma prenda mais local, um panu di pinti. De Orango pode trazer qualquer um dos diversos objetos referentes à cultura Bijagó (saboneteiras com hipopótamos, tartarugas em madeira, brincos, etc.). Mas talvez a melhor prenda seja mesmo trazer um saco com malaguetas, dois ou três sacos de caju torrado ou mancarra.

Ilha de Poilão
A duas horas de Orango situa-se a ilha de Poilão, onde visitamos para testemunhar um momento especial: assistir à desova das tartarugas. A pequena ilha abriga uma das mais abundantes colónias de tartarugas-verdes do mundo com uma média de quase 30 mil ninhos por ano.

E apesar da possibilidade, o que encontramos naquela ilha está longe de ser um espaço paradisíaco. O lixo enche o areal, trazido pelas correntes (esta ilha é deserta), tornando-se um obstáculo para a sobrevivência de milhares de tartarugas acabadas de nascer e que procuram chegar ao mar. Os guias dizem-nos que semanas antes, a quantidade de lixo era muito superior, tendo os bijagós procedido a uma limpeza do areal, o que é claramente insuficiente. Não é incomum encontrar uma tartaruga bebé presa em meia garrafa de água, ou num saco de plástico, morta. Não é apenas aos predadores naturais (as barracudas) que têm de sobreviver, é também à poluição extrema que afeta o continente africano.

No entanto, o momento da desova não deixa de ser um espetáculo único. Tartarugas gigantes arrastam-se pelo areal, cavam um buraco com a barbatana e desovam sob a Lua e milhões e milhões de estrelas que preenchem o céu escuro. Quando acordamos na madrugada seguinte, vemos algumas pequenas tartarugas a querer chegar ao mar e começar a sua vida. As fêmeas regressam ciclicamente a Poilão para desovar ao longo da vida naquilo que é descrito pelos especialistas simplesmente como “um mistério da natureza”.

“Estão ali! Estão ali!”, grita Belmiro e ainda antes de se conseguir focar bem os olhos, veem-se dois hipopótamos a saltar de dentro de uma lagoa, com o seu corpo imponente. É por estas cavalgadas súbitas que o nome de hipopótamo no dialeto bijagó é “egomoro”, que se traduz por “peixe-cavalo”. No início de novembro, a maior parte dos hipopótamos já migrou para uma parte mais inacessível da ilha, para estar numa zona mais fresca, mas ainda houve tempo para ver estes dois.

O hipopótamo é um animal sagrado para os bijagós e há vários mitos em torno deles. Um dos quais explica o porquê de tantas vezes se ver este mamífero de boca aberta, apontada para o céu: “O hipopótamo era um animal que era para ser doméstico, mas Deus disse que não podia ser porque ele ia comer o peixe todo. E desde então os hipopótamos abrem a boca para mostrar a Deus que não comem peixe”, conta-nos Belmiro.
Outra lenda está relacionada com a ligação entre o povo bijagó e os hipopótamos: “Uma vez um chefe feriu um hipopótamo no lábio. A mulher desse chefe estava grávida e quando o filho nasceu, vinha com uma ferida no lábio igual à que o chefe tinha causado ao hipopótamo.” 

AGRADECIMENTOS
A SÁBADO Viajante agradece à CDB Habitat e à TAP (flytap.com) todo o apoio prestado para a realização desta reportagem.










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