A escritora mineira Conceição Evaristo foi a convidada do Letra em Cena. Como Ler…, que aconteceu no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Se o Teatro do Centro Cultural Unimed Minas não estava completamente lotado, foi apenas porque algumas pessoas que, mesmo tendo confirmado a presença no evento, por meio da plataforma Sympla, acabaram efetivamente não indo, já que os ingressos (gratuitos) para a mais recente edição do Letra em Cena. Como Ler… se esgotaram. A procura nem poderia ser diferente, afinal, a convidada da noite era ninguém menos que a escritora Conceição Evaristo, 76. Com ótima condução do jornalista José Eduardo Gonçalves, mentor do projeto, a conversa foi um deleite para o público, que, claro, aplaudiu de pé a ilustre convidada.
Nascida em Belo Horizonte, mas radicada no Rio de Janeiro já há décadas, Conceição Evaristo, em vários momentos do evento, deu provas de seu bom humor. Como quando se referiu ao Mercado do Cruzeiro, construído em parte onde se localizava a favela do Pindura Saia, onde ela nasceu. “Costumo dizer para pisarem ali com cuidado, pois meu umbigo está enterrado lá”, brincou. Aliás, no mesmo tom, a premiada escritora disse que, por mais que tenha se reconciliado com Belo Horizonte, só pretende voltar à cidade quando tiver 100 anos. Segundo ela, em função da crença que diz que quem volta ao local onde o umbigo está enterrado, acaba morrendo.
Emoção
Brincadeiras à parte, Conceição Evaristo emocionou a plateia em vários momentos, como quando falou da mãe, falecida recentemente. De acordo com a autora, a genitora foi vítima indireta da pandemia, posto que, em função do isolamento social imposto, acabou definhando, ao lidar com a casa, antes sempre cheia de pessoas, vazia. Joana Josefina Evaristo, a mãe de Conceição, foi seguramente uma mulher de fibra, o que ficou atestado em casos que a convidada do Letra em Cena narrou na noite da terça-feira. Como a história de que a mãe foi a pé, debaixo de uma tempestade, para a Santa Casa de Misericórdia, ao ver que iria dar à luz Conceição.
Sobre a infância, Evaristo falou inclusive que nem usaria a palavra “pobreza” para se referir a como a família vivia, mas, sim “miserabilidade grande”. Mesmo assim, Dona Joana Josefina fez questão que os filhos estudassem – Conceição foi contemporânea de Frei Betto na escola Barão do Rio Branco.
“Espaço de vingança”
Em relação à literatura, Conceição Evaristo falou sobre o uso dela como um “espaço de vingança”. No sentido de, ao atuar neste campo, estar fazendo algo que “a sociedade não espera de uma mulher negra”. “Mas uma vingança educada, que se realiza de maneira elegante”, enfatizou. Elegância, aliás, é uma palavra imbricada a Conceição Evaristo, uma bela mulher, de sofisticação evidente.
Evidentemente, no encontro, Conceição Evaristo falou sobre o conceito de “escrevivência”, por ela cunhado. Lembrou inclusive que, alertada pelo professor Eduardo Assis, se inteirou que já o tinha utilizado antes mesmo do que se recordava.
Diáspora
Um outro momento pungente foi quando ela se referiu à diáspora, revelando que, em certa ocasião, ao ouvir o relato da colega Nélida Piñon (1937-2022) sobre uma viagem feita em busca de suas origens, foi invadida pela sensação de que nunca poderia fazer o mesmo. Isso em função da dispersão impingida ao povo negro durante o tráfico de escravizados. Do mesmo modo, emocionou quando ao citar como foi recebida em São Tomé e Príncipe, onde foi saudada como a irmã que mora do outro lado do Atlântico.
Diante da (pertinente) pergunta se não deveria publicar suas memórias, Conceição lamentou a perda de um diário de juventude, consumido pela família em um período de receio de perseguições, por conta de ela ter pertencido ao movimento operário. E, sim, pretende ter suas memórias reunidas em um livro, mas lá pra frente. “Porque vou estar bem velhinha, ninguém vai me julgar”, brincou.
“Em Nome de Mãe”
Por ora, ela se dedica ao processo que vai resultar no livro “Em Nome de Mãe”, a ser publicado pela editora Planeta, e construído a partir do diário da mãe da intelectual. Aliás, o momento em que comentou sobre esta obra foi também tocante, posto que Conceição Evaristo admitiu se indagar o que a mãe não escreveu em vida. “Que sentimentos dela não foram registrados ali”, diz, referindo-se aos escritos que Dona Joana deixou. “O que não percebemos daquela mulher”, prosseguiu.
Na cena rap
Ah, sim. Confessando ser fã do rap, disse ser “metida” a tal ponto que cismou de escrever um. No entanto, assumiu, achou que seria mais fácil. Ao revelar o desejo para Mano Brown, ouviu que ele próprio poderia gravá-lo. “Acontece que eu já tinha falado também com o Emicida”, revelou, arrancando risos da plateia. No entanto, Conceição Evaristo entende que o ideal é que uma mulher o defendesse. Confessou, ainda, esperar que Milton Nascimento musique um de seus poemas.
Casa Escrevivência
E, por último, mas não menos importante, falou sobre a Casa Escrevivência, que funciona no Largo de São Francisco da Prainha, no Rio. “A metideza é tanta que falo ‘casa’, mas 12 pessoas lá dentro (do espaço) já seria uma aglomeração”, brincou.
A intenção é que o acesso à sua biblioteca se amplie, assim como um espaço-residência. Perguntada se existe a possibilidade de BH sediar uma Casa Escrevivência, ela assentiu. “Digo que a Casa Escrevivência vai ter puxadinhos, e certamente o primeiro lugar será aqui. Isso vai acontecer”, diz, recebendo uma ovação.
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