Gelados armazenados à temperatura ambiente, calções robóticos para andar sem cansaço, máscaras para gritar no mundo virtual e plantas “programadas” para eliminar toxinas do ar. Estas são algumas das novidades que receberam atenção (e que o PÚBLICO testou) no Unveiled, o evento de pré-abertura da CES, a grande feira de tecnologia que decorre em Las Vegas em Janeiro. Em comum: todos mostram que os chatbots não são a única tecnologia capaz de gerar entusiasmo; e não são a única forma de usar inteligência artificial (IA).
A IA generativa, por detrás do ChatGPT, é um dos grandes temas da edição de 2024 da CES, com muitas empresas (grandes e pequenas) a usar o evento para apresentar inovações na área. No evento de pré-abertura para jornalistas, porém, a equipa que organiza a CES optou por destacar outros temas e outras formas de usar IA. Afinal, a missão do Unveiled é gerar burburinho antecipado sobre as centenas de milhares de produtos em exibição na CES, que arranca oficialmente esta terça-feira. É algo que a IA não precisa. A Ivès, um sistema de conversa em linguagem gestual, foi dos poucos exemplos de IA generativa em chatbots na selecção do Unveiled.
“Toda a gente está a falar da inteligência artificial generativa, dos chatbots, porque tem sido o tema quente do último ano. É preciso mostrar que a inteligência artificial existe há anos e influencia diversas tecnologias de diferentes formas”, explica ao PÚBLICO Jessica Boothe, directora de investigação da Consumer Technology Association (CTA), a organização por detrás da CES. O PÚBLICO resume alguns dos produtos e áreas que reuniram pequenas multidões este domingo.
Gelados “verdes” à temperatura ambiente
A ColdSnap é uma empresa de Boston, nos Estados Unidos, que criou um aparelho que congela e serve porções individuais de gelado e batidos armazenados à temperatura ambiente. A equipa da ColdSnap explica ao PÚBLICO que o principal objectivo é criar uma forma mais sustentável de comer sobremesas geladas: ao armazenar gelado à temperatura ambiente, sem necessidade de refrigeração, a equipa estima que seja possível reduzir em 30% as emissões de dióxido de carbono no transporte e armazenamento destes produtos alimentares.
O processo é semelhante a uma máquina de café com cápsulas. A máquina da ColdSnap recebe cápsulas recicláveis (do tamanho de uma lata de refrigerante) com um líquido que é estável à temperatura ambiente e, em cerca de dois minutos, congela e distribui o gelado numa taça. O sabor lembra uma mousse gelada muito cremosa, ou um gelado, ainda frio, que já está a descongelar há algum tempo. Pelo menos, o de chocolate. Há também opções veganas, à base de aveia.
Muita curiosidade em perceber a tecnologia (e provar os gelados) da ColdSnap
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O produto final tem uma textura semelhante a uma mousse
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Questionada sobre a tecnologia, a equipa diz apenas que a “máquina da ColdSnap usa um sistema de refrigeração proprietário de alta potência”, com mais de 90 patentes preenchidas nos últimos anos. A receita, porém, também influencia a tecnologia e o resultado. Segundo os representantes da ColdSnap na CES, o açúcar torna um gelado mais cremoso porque baixa o ponto de congelação de um líquido. Isto acontece porque o açúcar dificulta a formação de cristais de gelo. Mas muito açúcar resulta numa papa parcialmente congelada.
A ideia original do projecto veio das filhas do fundador, Mathew Fonte, que em vez de histórias de embalar ajudavam o pai a escrever “jornais de invenção”. Uma máquina de gelados instantânea que não exigia limpeza era um dos sonhos das meninas. É parte do motivo por detrás das cápsulas: desta forma, a máquina da ColdSnap não requer limpeza visto que o gelado não toca na máquina durante o congelamento ou distribuição (ao mesmo tempo, gasta-se menos água).
Os gelados são armazenados à temperatura ambiente em cápsulas do tamanho de uma lata de refrigerante
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Calções robóticos para andar sem esforço
A mobilidade é outro dos grandes destaques a CES. Exemplo disso é a empresa sul-coreana WIRobotics que vem à CES para demonstrar um par de calções robóticos, os WIM, que têm como principal missão ajudar as pessoas com dificuldades de mobilidade a andar sem esforço. O nome, WIM, é a sigla inglesa para “nós inovamos a mobilidade”.
O objectivo é que as pessoas usem os calções para andar mais a pé como forma de exercício. O aparelho, que o PÚBLICO testou, parece reduzir o atrito criando a ideia de se estar a deslizar. Há um modo “fitness” que aumenta a resistência quando se anda para forçar os músculos a trabalhar mais. O aparelho pesa cerca de quilo e meio e tem autonomia de cerca de duas horas entre carregamentos – o suficiente para uma a três caminhadas.
Mais uma vez, a equipa não adiantou grandes detalhes sobre a tecnologia durante a pré-apresentação, mas nota que o sistema usa inteligência artificial para aprender como as pessoas se movimentam. A informação é usada para melhorar a postura e a eficiência da marcha através de sugestões partilhadas numa app.
O aparelho da WIM pesa menos de dois quilos
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Usar o aparelho cria uma sensação de estar a deslizar sobre o chão
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Ainda não há um valor fechado para o aparelho, mas o preço deve rondar os 2000 euros.
Plantas que eliminam toxinas
Há quem programe plantas em vez de computadores. Em vez de ecrãs, cabos ou chips, o stand da empresa francesa Neoplants estava repleto de pequenos canteiros. A equipa de 20 cientistas da empresa usou bioengenharia para criar uma nova variedade de plantas, as Neo P1, com base na espécie pothos golden (Epipremnum aureum), que é capaz de capturar poluentes e toxinas como o benzeno.
São vendidas em canteiros concebidos para maximizar o fluxo de ar e o contacto entre as plantas e os poluentes. “As pessoas por norma não nos vêem como uma empresa de tecnologia. Mas a maioria da nossa equipa está a programar, só que o faz de outra forma”, sublinha ao PÚBLICO Hector de Wazieres, um dos bioengenheiros da equipa, que veio à CES. A equipa usa uma combinação de “biologia molecular, fisiologia vegetal, metabolismo e engenharia do microbioma” para criar as plantas.
Foi escolhida uma planta de baixa manutenção que não produz pólen, eliminando a possibilidade de contágio e propagação de uma nova espécie de forma descuidada.
A Neoplants usou bioengenharia para criar plantas que absorvem melhor poluentes no ar
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Fato para gritar no Metaverso
A japonesa Shiftball veio à CES tentar mostrar que o metaverso não é uma coisa do passado (ainda). A equipa veio vestida a rigor com o que a empresa chama de “equipamento completo” para o metaverso. O elemento que mais chamou a atenção é uma máscara, preta, que cobre a boca dos utilizadores.
O mutalk (199 dólares, cerca de 181 euros) é um microfone sem fios que isola a voz dos utilizadores – isto permite gritar sem incomodar quem está no mundo real. Ao mesmo tempo, a máscara impede as pessoas com quem se está a falar no mundo virtual de ouvirem som ambiente (por exemplo, alguém a aspirar a casa).
O fato completo inclui ainda luvas e joelheiras que recriam os movimentos do mundo real no mundo virtual, bem como um par de óculos de realidade virtual.
A máscara da Shiftall desencadeou muito interesse DR
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Comando para fazer exames em casa
A francesa Withings apresentou o BeamO, um aparelho que por cerca de 250 dólares (cerca de 230 euros) funciona como um estetoscópio, termómetro, e que permite realizar electrocardiogramas. A informação fica guardada numa app e os dados podem ser facilmente partilhados com um profissional de saúde.
O pequeno aparelho rectangular simula as capacidades de um estetoscópio graças à inclusão de um disco piezoeléctrico (capaz de detectar toques e vibrações) que capta o som acústico do peito do utilizador e converte a informação num sinal eléctrico que pode ser decifrado pelo BeamO.
O BeamO deve funcionar como um diário fotográfico, da saúde, ao longo do tempo
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Ainda assim, as capacidades do aparelho não são necessariamente novidade. Muitas pessoas já têm estetoscópios em casa e vários smartwatches conseguem realizar electrocardiogramas básicos. A diferença do BeamO é o facto de fazer tudo ao mesmo tempo.
Questionado sobre a precisão do aparelho, a equipa nota que o objectivo não é ter o melhor aparelho médico do mundo. A missão é oferecer uma forma das pessoas captarem regularmente métricas de saúde. “Usamos muito uma comparação com fotografias. Fazer um exame médico é como ter uma fotografia excelente, em alta definição. Usar o BeamO permite obter várias fotografias, com menor qualidade, ao longo do tempo. Isto dá uma imagem mais detalhada da saúde de uma pessoa”, explica ao PÚBLICO Mahot Descelliers, engenheiro de dados da Withings. “Os resultados do Beamo não devem substituir exames médicos, mas ajudar profissionais de saúde a perceber como a saúde de alguém se altera ao longo do tempo. Este tipo de informação adicional é extremamente importante.”
Luvas para aprender a tocar piano
Os avanços na saúde são impulsionados por IA, mas também por robótica e wearables (tecnologia que se veste). A Palmplug é uma empresa de Washington, nos EUA, que se especializa na interacção entre seres humanos e computadores. O foco é o tacto, com uma luva, que capta os movimentos dos utilizadores para diferentes finalidades. É composta por uma pulseira e um conjunto de anéis luminosos,
O sistema pode ser usado por programadores que querem interagir mais facilmente com os sistemas que operam, mas também pode ser usado para fins de reabilitação. Os aparelhos são capazes de recolher informação sobre a rapidez e a mobilidade das mãos de pessoas a completar exercícios de mobilidade. Podem ser incluídas na recuperação de AVC ou no acompanhamento de doentes com Parkinson. A Palmplug também pode ser utilizada para aprender piano ao ajudar as pessoas a memorizar o movimento correcto através de feedback luminoso e háptico (de toque) nos dedos que têm de movimentar.
Uma das finalidades é ajudar as pessoas a aprender habilidades como tocar piano
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O aparelho deve chegar aos consumidores até ao final do ano por cerca de 399 dólares (364 euros).
Jóias inteligentes
A Evie é uma empresa que quer oferecer uma alternativa aos relógios e pulseiras inteligentes para mulheres interessadas em monitorizar discretamente a sua saúde sem preocupações com carregamentos e distracções com o ecrã. O resultado é o Evie, um anel que funciona cerca de quatro dias entre carregamentos e monitoriza o número de passos diários, a qualidade do sono e o batimento cardíaco. A informação apenas é visível ao consultar a aplicação, reduzindo ansiedade causada por alertas sobre o número de passos dados (ou não dados) e a qualidade do sono.
Tal como um par de auriculares, o carregamento é feito através de uma pequena caixa.
A Evie diz que o anel é à prova de riscos
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O sistema é carregado numa pequena caixa, tal como um par de auriculares
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A monitorização do batimento cardíaco é feita de forma semelhante à dos relógios inteligentes, com um sensor óptico. Este tipo de sensores emite luz LED na pele e depois mede a quantidade de luz absorvida – o sangue absorve luz de maneira diferente consoante a quantidade de oxigénio no sangue.
Um dos objectivos do anel é criar um aparelho mais apelativo e discreto para mulheres e aumentar a informação recolhida sobre a saúde feminina. Se as utilizadoras do Evie aceitarem partilhar a sua informação, de forma anónima, os anéis podem ser utilizados para aumentar a informação disponível sobre a saúde de mulheres em todo o mundo.
O Unveiled é um evento de pré-apresentação da CES, antes da abertura oficial
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O PÚBLICO viajou a convite da Consumer Technology Association (CTA), que organiza a CES
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