Tem 46 anos e é visto por alguns como um herói e protetor dos oprimidos, quase como um Robin dos Bosques. Mas para outros é apenas um criminoso responsável por massacres que tiraram a vida a centenas de pessoas e prolongaram a instabilidade política no Haiti.
Nascido na área de Delmas, um subúrbio da capital no final da década de 70, Chérizier é o mais novo de oito filhos. O pai morreu quando tinha 5 anos. A sua alcunha (Babekyou, ou Barbecue) nasceu, segundo o próprio, por a mãe vender galinha frita na rua, mas há quem diga que esta advém do seu papel nos incêndios a casas e por queimar corpos de vítimas. Foi polícia, mas as autoridades expulsaram-no depois de, alegadamente, ter levado a cabo um massacre em que morreram dezenas de pessoas. Esta terça-feira, Chérizier ameaçou espoletar uma guerra civil caso o primeiro-ministro, Ariel Henry, não se demita. A ameaça surge no contexto de uma onda de violência que assola Port-au-Prince, a capital haitiana.
Num país em que os gangues se multiplicam a uma velocidade estonteante – em 2019 o procurador-geral Paul Eronce Villard admitia serem mais de 50 espalhados pelo território -, a corrupção é endémica. Os grupos armados mantém relações com a polícia e são financiados por políticos e empresários. Os gangues lutam entre si para controlarem território, ganhando dinheiro oferecendo “taxas protetoras” aos donos de pequenos negócios e controlando o tráfico de drogas e armas. Um dos gangues mais temidos é o Base Delmas 6, que é, alegadamente, liderado por Chérizier.
Barbecue nega pertencer a qualquer gangue. À Associated Press identificou-se como um simples “líder comunitário” que empresta dinheiro aos habitantes do bairro quando estes precisam, coordena brigadas para limparem as ruas e protege os cidadãos dos gangues. Mas as Nações Unidas têm uma versão muito diferente: acusam Chérizier de ser um homicida responsável por alguns dos maiores massacres da história recente do Haiti, incluindo a morte de mais de 70 pessoas em novembro de 2018, quando mais de 400 casas foram incendiadas no bairro de La Saline, em Port-au-Prince. Entre as vítimas estavam mulheres e crianças.
Apesar do seu nome surgir nos relatórios policiais e de diferentes Organizações Não-Governamentais (ONG) como o mandatário desse massacre, Chérizier mantém-se em liberdade e no controlo de um dos maiores bairros da capital. De acordo com os relatos, dorme durante a manhã e à noite patrulha as ruas em busca de membros de outros gangues, contando com uma equipa que o apoia no combate aos inimigos.
Em entrevistas e declarações públicas, Chérizier faz-se retratar com uma pessoa preocupada com a comunidade e as crianças. “O que se vê daqui? Miséria. Nenhum destes miúdos tem um futuro. Daqui a dez anos vão andar com armas na mão”, lamentava-se ao jornalista da AP em 2019 quando notava a falta de escola e o lixo espalhado pelas ruas do bairro de Delmas.
O líder dos gangues elege François “Papa Doc” Duvalier, o ditador que liderou o Haiti entre 1957 e 1971 como o seu herói.
O massacre de 13 de novembro
Foi numa terça-feira, 13 de novembro de 2018, que o bairro de La Saline acordou com homens armados com pistolas, catanas e armas automáticas a invadirem casas, matando e torturando dezenas de mulheres, violando muitas delas. Os corpos das vítimas foram depois esquartejados e atirados para porcos ou cães ou então queimados. Os relatórios das autoridades davam conta de uma menina de quatro anos que tinha morrido com um tiro na cabeça, enquanto estava ao colo da mãe. Centenas de casas foram incendiadas.
Um relatório das autoridades de investigação do Haiti identificava Chérizier e outros 68 como os responsáveis por este massacre e emitia um mandado de captura pelos crimes de homicídio e violação. O então polícia era acusado de ter matado pelo menos duas pessoas.
Mas esta não foi a primeira vez que o agente Chérizier foi acusado de uma conduta criminosa. Em 2017 terá estado envolvido numa operação contra máfias que terminou com a morte de nove civis.
Chérizier negou todas as acusações e afirmou que tinham sido os seus inimigos a denunciá-lo. “Nunca atacaria pessoas na mesma classe social que eu”, afirmou o homem, afirmando saber o que é a vida dos pobres. Mas esta versão não impediu que fosse acusado pelos Estados Unidos da América e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas de graves violações dos direitos humanos.
Seguiram-se dezenas de ataques com várias vítimas e Chérizier consolidou-se como um dos mais poderosos líderes das máfias, tendo formado a coligação de gangues G9 e Família (“G-9 an fanmi”). Entre os membros da coligação está o gangue 400 Mawozo, que foi responsável pelo sequestro de um grupo de 17 missionários americanos e canadianos em 2021.
Na altura da formação da coligação as redes sociais foram instrumentais para recrutar apoiantes e se defender das acusações. “Sou quem digo ser. Não fiz 99% do que me acusam de ter feito… As tecnologias deram-me a oportunidade de me defender”, chegou a afirmar numa publicação.
A ameaça de guerra civil
“Se Ariel Henry não renunciar e se a comunidade internacional continuar a apoiar o seu governo, vamos entrar numa guerra civil que vai levar a um genocídio”, disse Chérizier durante uma entrevista.
No domingo, 3 de março, o governo do Haiti decretou o estado de emergência em Port-au-Prince “por um período renovável de 72 horas” após a invasão de uma prisão, que resultou na fuga de mais de 3 mil reclusos e numa nova onda de violência na cidade. Pelo menos 12 pessoas morreram nesta libertação de prisioneiros. “Pedimos à Polícia Nacional do Haiti e ao exército que assumam sua responsabilidade e prendam Ariel Henry. Mais uma vez: a população não é nossa inimiga; os grupos armados não são seus inimigos”, disse Chérizier.
Após o assassinato do então presidente do Haiti Jovenel Moïse, em 2021, Chérizier deu início ao que foi descrito pelo próprio como uma “revolução contra a elite política corrupta do país”. De acordo com o portal online InSight Crime, cerca de metade do financiamento do G9 vinha do governo liderado por Moïse, razão pela qual a coligação atacou os novos governos, que cortaram os financiamentos em 30%.
Aquando da morte do ex-presidente, Chérizier apontou o dedo à oposição e à polícia, afirmando que tinham sido estes a organizar o crime. Já um juiz haitiano acusou 50 pessoas, entre as quais a viúva de Moïse, Martine, de terem planeado o assassinato. O plano seria, segundo o juiz Walther Wesser Voltaire, de que Martine ocupasse o cargo deixado vago.
Em outubro de 2021, três meses depois da morte de Moïse, o primeiro-ministro, Ariel Henry, foi impedido de depositar uma coroa de flores num monumento em homenagem ao presidente que o nomeara chefe de governo poucos dias antes de morrer. Foi o próprio Chérizier, apoiado pelos seus homens, que impediu o governante de prestar homenagem. Depois de travar esta ação, foi o próprio Barbecue que depositou a coroa de flores no monumento.
Numa entrevista à Al Jazeera, em 2021, Chérizier afirmava: “Não sou nem nunca serei um gangster. Estou apenas a lutar contra um sistema com muito dinheiro e que controla a comunicação social. Eles pintam-me como um gangster, mas não sou”.
Crédito: Link de origem



Comentários estão fechados.