Bandos criminosos influenciam futuro do Haiti

“É o povo haitiano que sabe o que está a passar. É o povo haitiano que vai tomar o destino nas suas próprias mãos. O povo haitiano escolherá quem o governará.” As palavras podiam ser do líder demissionário, Ariel Henry, mas não. São de Jimmy ‘Barbecue’ Chérizier, chefe do G9, uma federação de nove bandos armados, e o homem que é considerado o mais poderoso de um território que ocupa um terço da ilha de São Domingos (partilhada com a República Dominicana). Foi ele quem anunciou um ataque contra o governo de Henry, primeiro lançando a violência nas ruas, e mais tarde com um ultimato que acabou por vingar. 

Em Porto Rico, Ariel Henry anunciou a sua demissão com a instauração de um “conselho presidencial de transição”. A sua demissão ocorreu na ressaca de uma reunião de emergência sobre o Haiti, na Jamaica, convocada pela Comunidade das Caraíbas, e na qual participou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. O conselho presidencial de transição será composto por sete membros com direito a voto e dois observadores, representando a sociedade haitiana. Entre os membros com direito a voto encontra-se o partido Pitit Desalin, dirigido pelo ex-candidato presidencial Moïse Jean-Charles, aliado de Guy Philippe, um ex-líder paramilitar que liderou um golpe de Estado em 2004 e que cumpriu pena prisão nos EUA depois de se ter declarado culpado de branqueamento de capitais.

O que esperar de um homem que é conhecido como Babekyou (Barbecue) por queimar casas com pessoas no seu interior? Aos 47 anos, já se comparou a um Martin Luther King com armas, e diz-se líder de uma “força e estrutura sociopolítica que luta pelos vulneráveis”, enquanto rejeita crimes como os raptos e as violações. No entanto, foi expulso em 2018 das forças policiais pelas suspeitas de ter participado num massacre num bairro de lata, no qual centenas de casas foram incendiadas, tendo morrido mais de 70 pessoas e sido violadas sete mulheres. Chérizier alega que a sua alcunha se deve à ocupação da sua mãe, que vendia frango assado, e diz-se antes um revolucionário a querer acabar com o sistema social e político que classifica de apartheid, apesar de ao mesmo tempo se dizer inspirado pelo ditador François ‘Papa Doc’ Duvalier.

O facto é que desde que agregou nove dos 200 bandos do Haiti, em 2020, que a sua ascensão e influência têm crescido de forma exponencial. No ano seguinte, o presidente Jovenel Moise – o último presidente eleito, em 2016 – foi assassinado por um comando colombiano. ‘Barbecue’ Chérizier, que gozaria de boas relações com Moise, iniciou uma espiral de violência. Aos seus homens terá dito: “É o vosso dinheiro que está nos bancos, lojas, supermercados e revendedores, por isso vão buscar o que é vosso por direito.” No ano seguinte entrou em guerra com outro bando, G-Pèp, chefiado por Gabriel Jean-Pierre. 

Cada vez com mais poder, armas e dinheiro, Chérizier voltou a exigir a demissão de Ariel Henry, o cirurgião que assumiu o poder de forma interina. Na primeira ocasião, em 2022, Barbecue bloqueou os depósitos de combustível, mas recuou depois de Henry ter ameaçado com a intervenção de tropas estrangeiras e de as Nações Unidas lhe terem imposto sanções.

Agora nada o fez parar. Nas últimas semanas, os seus comandados incendiaram esquadras de polícia e lojas, encerraram os dois aeroportos internacionais do país, bloquearam o porto, e invadiram as duas maiores prisões do país, libertando mais de 4 mil reclusos. Um número indeterminado de pessoas morreu, e mais de 15 mil ficaram sem teto, de acordo com uma estimativa das Nações Unidas. Há uma semana, Chérizier avançou com um ultimato enquanto impedia Ariel Henry de regressar ao país. “Ou o Haiti se torna num paraíso para todos ou se torna num inferno para todos”, ameaçou. 

“Infelizmente, Barbecue é agora o homem mais poderoso do Haiti”, disse ao The Guardian o consultor Judes Jonathas. “Estamos muito preocupados”, disse Renata Segura, do International Crisis Group, à Associated Press. “Os bandos tornaram-se mais fortes e dominam em termos de segurança.” Também àquela agência de notícias, o especialista em política haitiana Robert Fatton diz que o poder dos gangues não pode ser ignorado. “Se eles exercem essa supremacia e não existe uma força contrária, já não se trata de saber se os queremos à mesa. Eles podem simplesmente tomar a mesa.”

O líder interino tinha viajado até Nairobi para tentar chegar a acordo para uma operação multinacional de policiamento liderada pelo Quénia. O destacamento já estava em dúvida, devido a uma interpelação no Supremo Tribunal do país africano, que se centrava na questão de saber se a sua polícia tinha competência para operar no estrangeiro. Mas na terça-feira, um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros queniano disse que o governo tinha decidido suspender a missão. Em declarações à AFP, disse que tinha havido uma “mudança fundamental nas circunstâncias em resultado do completo colapso da lei e da ordem e da subsequente demissão do primeiro-ministro do Haiti”. 

cesar.avo@dn.pt

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