A máfia sérvia e a brasileira atuam em Portugal – Portugal

Francisco M. nunca imaginou que o seu escritório T0 na Avenida D. João II, no Parque das Nações, em Lisboa, um dia seria usado para o manter refém. Foi lá que foi agredido várias vezes pelos seus raptores: três sérvios e dois brasileiros que desconfiavam que Francisco M. tivesse roubado um carregamento de 220 quilos de cocaína.













Os raptores, que faziam parte da máfia sérvia e do Primeiro Comando da Capital – a maior organização criminosa do Brasil – ameaçaram várias vezes que o matavam e à sua família caso não devolvesse a droga. Só que, na verdade, a cocaína tinha sido apreendida em segredo pela Polícia Judiciária portuguesa.

O português foi alvo de várias agressões, entre chapadas e não só, durante 48 horas. Tanto Francisco como os restantes homens foram detidos e acusados de tráfico de droga. O julgamento continua na quarta-feira, dia 10 de janeiro, do outro lado da rua da casa de Francisco, no Campus de Justiça.

Segundo a acusação a que a SÁBADO teve acesso, o português envolveu-se num esquema de tráfico com droga vinda do Brasil e que tinha como destino o Leste europeu onde seria comercializada pela máfia sérvia. A cocaína vinha disfarçada num carregamento de café que foi alvo de uma inspeção por parte da Autoridade Tributária. O esperado era que a apreensão da droga, descoberta dentro dos pacotes, fosse  comunicada, contudo, a ideia foi outra: montar uma armadilha aos traficantes.

Assim sendo, autorizaram os destinatários a levantar a encomenda e dessa forma conseguiram desvendar um esquema de tráfico entre a América do Sul e o Leste europeu.

Apesar de não conseguir determinar a data certa em que o esquema começou a ser criado, o Ministério Público (MP) considera que foi em 2022 que os dois grupos começaram a trabalhar juntos.

De forma a não envolver diretamente membros das organizações no desalfandegamento, foi combinado que do Brasil viria um representante para encontrar intermediários que tivessem uma empresa registada em Portugal e levantassem a encomenda. Incumbido dessa missão, Wanderson O. chegou a Portugal em março de 2022 e arrendou um apartamento no Parque das Nações com uma renda de 2.500 euros por mês, onde ficou com a mulher e dois filhos.

Este homem é conhecido pela justiça brasileira e é investigado no Brasil pelos crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, revelou o jornalista Josmar Jozino no site Universo Online.

A armadilha

Wanderson O. viajou então até ao Montenegro (que faz fronteira com a Sérvia) em maio, altura em que, acredita a Polícia Judiciária (PJ), terá tido contacto com a organização criminosa que ia comprar a cocaína. Ficou acordado que teria de encontrar alguém que levantasse a encomenda e que a guardasse até que a organização sérvia a fosse levantar.

De regresso a Portugal, Wanderson conheceu Francisco M., a quem propôs entrar neste negócio. O português aceitou, sendo-lhe prometido uma recompensa que o Ministério Público diz ser superior a 25 mil euros. Para ajudar no negócio, Francisco M. recorreu a Marcos M., com quem tinha uma relação próxima. Os dois adquiriram uma sociedade, a Acordo Imensurável, que seria então utilizada para levantar a encomenda de café e guardá-la.

No final de setembro, a cocaína, disfarçada nos pacotes de café, foi enviada a partir do Porto de Santos, no Brasil, com destino a Alverca do Ribatejo, em Portugal. A encomenda chegou a 3 de outubro e dia 7 foi sujeita a uma “verificação física”, efetuada pela Autoridade Tributária. No total, os agentes encontraram 881 embalagens com 220 quilos de cocaína – que não reportaram porque queriam apanhar os traficantes. A armadilha estava montada.

Sem desconfiar de nada, Marcos M. dirigiu-se, no dia 11, à alfândega para levantar as paletes, não sabendo que o seu conteúdo ilícito já tinha sido removido pelas autoridades e que a encomenda estava a ser vigiada.

Já com o carregamento na carrinha, Marcos M. dirigiu-se ao bairro do Passil, em Alcochete.

Treinado nestas coisas, pelo caminho foi fazendo sempre “manobras de contra vigilância para verificar se estava a ser vigiado e seguido pela polícia ou até por outros indivíduos que pudessem querer apoderar-se da cocaína”, lê-se na acusação do MP.

Convencido de que estava a ser seguido – como de facto estava a acontecer –, ligou a Francisco M. a dar conta da situação, recebendo instruções para não levar a carrinha para o armazém no Passil, mas deixá-la no parque de estacionamento de uma loja no Montijo. Marcos ligou então à mulher, Rute L., para que esta avisasse Francisco M. sobre a sua localização.

Combinaram que deixariam o veículo no parque de estacionamento. Pouco depois, Francisco apanhou Marcos e seguiram os dois para Lisboa. Mal sabiam que nessa noite, a PJ iria apreender a carrinha.

Ameaças e violência

No dia seguinte, Marcos regressou ao Montijo, convencido que ia encontrar a carrinha no parque de estacionamento, para descobrir que tinha desaparecido. Francisco informou Wanderson O. do sucedido: nem a carrinha nem a carga estavam no local onde as tinham deixado. Tudo se complicou.

Wanderson O. avisou imediatamente o grupo que tinha enviado a droga do Brasil, bem como o grupo que a ia receber, na Sérvia.

Os traficantes decidiram tomar medidas. Todos estavam convencidos de que Francisco M. os queria enganar. Enviaram então quatro homens (três da Sérvia e um do Brasil)  com indicações claras: usar “todos os meios necessários, incluindo violência” para descobrir o paradeiro da carga, lê-se na acusação do MP.

Até chegarem estes homens, Francisco M. ficou sob vigilância de Wanderson O., que chegou inclusive a dormir no apartamento da Avenida D. João II.

O grupo brasileiro enviou Flávio O., que chegou a ser condenado a 104 anos de prisão no Brasil por latrocínio (roubo seguido de morte).

É que Flávio matou um homem e os seus dois filhos, um deles menor, em Vargem Grande do Sul, no Brasil. A 15 de outubro, quatro dias depois da apreensão da PJ, chegaram a Portugal os três sérvios mandatados para a recuperar a droga: Uros P., Aleksandar S. e Nenad K. Juntamente com Wanderson O. fizeram Francisco refém, convencidos de que tinha sido ele a orquestrar o roubo.

Marcos também não escapou à violência, apesar de ter tentado explicar que nada sabia do desaparecimento da carrinha. Os sérvios não acreditaram. Segundo a acusação do MP, Marcos e Francisco foram agredidos com várias chapadas na cabeça. O objetivo era que revelassem o paradeiro da droga. Terá sido então que Marcos mencionou a hipótese de ter sido a polícia a apreender a carrinha e pediu uma oportunidade para o provar. Wanderson O. e os sérvios concordam e deixaram que Marcos saísse na condição de procurar provas de que era a polícia que tinha a droga. Antes disso, ameaçaram Francisco: se em cinco dias a carga não aparecesse matá-lo-iam, à sua mulher e às suas filhas.

Quando finalmente conseguiu sair, Marcos ligou a Rute, sua mulher, e pediu-lhe que avisasse a esposa de Francisco M. que ela e as filhas deveriam refugiar-se num lugar seguro. O rapto parecia estar longe de chegar do fim, porque os sérvios e Wanderson O., bem como o brasileiro Flávio O., que chegara entretanto, decidiram mudar os planos.

Agora, iam levar Francisco para Espanha. Só que uma paragem para comer – numa Pizza Hut –, mudou tudo. A PJ deteve-os nesse momento. Francisco M. ficou em liberdade, sendo apenas detido a 11 de novembro, quando tentava embarcar com a mulher e filha para Nice, em França. Marcos M. foi detido no mesmo dia.

O Ministério Público acusou Wanderson O. e os três sérvios pelo crime de de tráfico de droga, associação criminosa, sequestro e um crime de coação agravada. Francisco M. e Marcos M. e Flávio O. foram acusados de um crime de tráfico de droga e de associação criminosa para o tráfico. Rute L. foi acusada de ser cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes. 











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