«Há três anos estávamos na terceira divisão portuguesa e agora vamos jogar contra as melhores equipas do mundo.» As palavras de Artur Jorge, dirigidas a Álvaro Djaló após o apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões, são um resumo quase perfeito do trajeto do extremo espanhol em Braga.
A história de Djaló começou a ser escrita quando os pais viajaram da Guiné Bissau para Espanha à procura de melhores condições de vida para os filhos. De Lanzarote para Madrid, onde nasceu o pequeno Álvaro, até Bilbao, onde cresceu.
Vindo de uma família humilde (a mãe trabalhou nas limpezas e o pai nas obras), o extremo não esquece as raízes, mesmo perante o espaço que está a conseguir conquistar em Braga.
Da capital espanhola, não há recordações, pois os pais acabaram por mudar de cidade quando Djaló tinha apenas oito meses. O mesmo não acontece com Bilbao. Foi no País Basco que Álvaro Djaló fez amizades para a vida e criou as primeiras memórias futebolísticas… e não só.
Álvaro Djaló, 2020, antes de chegar à equipa principal do SC Braga @Arquivo pessoal Abdul Man
«Agora eu admiro o meu primo»
«Sempre foi uma pessoa muito humilde e tímida. Ele valoriza as coisas que tem agora porque sabe de onde é que vem e a família humilde que teve, mas que deu tudo por ele», explica o primo do jogador bracarense, Abdul Mané, em declarações ao zerozero.
Abdul Mané, primo de Álvaro Djaló
«Ele gostava de estar sempre a jogar à bola e a andar de bicicleta. Pegava na bicicleta para ir jogar à bola com os amigos», recorda.
Depois de passar por um pequeno clube de Bilbao, o UD San Miguel de Basauri, e de chegar ao Begoña, foi na passagem dos 17 para os 18 anos que Djaló arriscou a mudança para Portugal.
Antes, a carreira futebolística ainda era uma incerteza, de tal forma que Álvaro Djaló chegou a estudar… carpintaria.
«Andou a fazer uma formação de carpintaria. Até fazia prendas para dar à irmã. Lembro-me de fazer um cavalo de madeira, por exemplo», revela.
Foi pouco depois que Álvaro Djaló viajou para Portugal à procura da sua sorte. As respostas negativas dos principais clubes em Portugal não abalaram o jovem hispano-guineense.
Abdul acredita que, anos mais tarde, há quem se arrependa de ter rejeitado o primo: «As pessoas que não confiaram nele já perceberam que estavam erradas.»
Entre Álvaro e Abdul, a ligação é forte, tal como acontece com a restante família. Álvaro joga futebol, Abdul, os amigos e o irmão de Álvaro Djaló, Mutas Djaló, modelo fotográfico, assistem às partidas nas bancadas, com a camisola do novo ídolo.
«Vês os jogadores na televisão e ficas a admirá-los, não é? Agora eu admiro o meu primo. Espero que mais miúdos o admirem e queiram ser como ele», afirma Abdul.
Álvaro Djaló, 2020, antes de chegar à equipa principal do SC Braga @SC Braga
«Ficou a encher chouriços…»
Já terá percebido que a trajetória de Álvaro Djaló não é comum. Também por isso, apenas aos 24 anos o extremo começa a aparecer com mais regularidade na equipa principal do SC Braga.
Talento escondido? Nem por isso. Ao zerozero, José Carvalho Araújo, antigo treinador de formação do SC Braga, explica o processo do jogador espanhol e distingue-o dos demais. Confessa, no entanto, que não previa uma chegada a patamares de Liga dos Campeões.
«Era um miúdo introvertido, espanhol, mas com perfil de atleta africano. Chega a Braga nos juniores, no final da época, para fazer um período de captação. Foi o Francisco Tomás que o trouxe de Espanha.»
José Carvalho Araújo, antigo treinador da formação do SC Braga @Global Imagens / Paulo Jorge Magalhaes
«Estaria a ser cobiçado por outros clubes em Portugal e veio fazer uma semana connosco. Estávamos no final do campeonato, mas integrou os treinos com a nossa equipa. Desde cedo se percebeu que tinha qualquer coisa de especial. A ideia era não o deixar sair para lado nenhum para não ficarmos sem ele. Ficou um bocado a ‘encher chouriços’ porque não o queríamos deixar ir para lado nenhum», recorda.
Ainda assim, lembra o antigo técnico bracarense, nem tudo era perfeito no extremo espanhol.
«No período em que esteve connosco, era muito inconstante. Tanto tinha coisas brutais, como tinha momentos pouco interessantes. Na altura era mais selvagem, mas tinha dificuldades na compreensão do jogo», explica.
Assinou até 2025, mas já se fala na renovação @SC Braga
Também por isso, apesar dos números, Álvaro Djaló foi mais suplente do que titular na formação bracarense. Para José Carvalho há um ponto essencial a determinar a menor preponderância do espanhol.
«A geração de 99 do SC Braga era muito forte. Ele entrou a meio e era preciso dar-lhe tempo para estabilizar. No primeiro ano de sub-23 foi igual, apanhou jogadores em patamares diferentes de maturidade. Os dois primeiros anos foram de adaptação», destaca.
O trajeto pouco comum do jogador nascido em Madrid acabou por atrasar o processo de afirmação, ao contrário do que aconteceu com Trincão, mas mais ao estilo de Vitinha.
«[Ele] também chega tarde, de uma realidade fraquinha, que é o contexto de distrital. Depois temos casos como o Trincão e o Pedro Neto que, aos 17 anos, já estavam a ‘disparar’ porque já estavam a trabalhar há vários anos com os mesmos processos.»
«Quando o Trincão estava pronto e a ser transferido para o Barcelona, está o Álvaro a chegar ao SC Braga. Enquanto um está quase pronto, o outro está a começar. Não quer dizer que não consiga atingir o patamar do Trincão ou do Pedro Neto, teve foi um momento de maturação diferente», completa.
@Catarina Morais / Kapta +
Um super sub?
Apesar do talento que lhe era reconhecido nas equipas de formação bracarense, foi na equipa B, com Artur Jorge (a tal frase faz agora sentido), que Álvaro deu o salto competitivo.
Destaque na equipa secundária dos minhotos, de tal forma que foi várias vezes escolhido para a equipa da jornada da Liga 3 para o zerozero, o espanhol começou a ser visto de outra forma e, com a chegada do novo treinador, saltou em definitivo para a equipa principal.
Apesar da concorrência e da chegada de uma jovem promessa para a posição (Diego Laínez), Artur Jorge começou por resgatar o estatuto de super sub do seu protegido, que tinha começado na equipa de juniores, logo na ronda inaugural do campeonato.
@Rogrio Ferreira / Kapta+
«Via que tinha pormenores distintos. Tem uma capacidade de aceleração única. A relação com bola é muito interessante, tem qualidade técnica, golo, mas também demonstrava instabilidade e essa era a grande dúvida.»
«Há vários atletas com qualidade que não conseguem dar este passo emocional. Há muito jogador com qualidade, mas falta estabilidade emocional e depois não chegam a esses patamares. Acho que o grande salto do Álvaro foi esse porque ele já tinha o resto», explica o antigo treinador do extremo.
Na equipa principal, há já um impacto inegável, mas não deixa de ser curioso que Álvaro Djaló tenha sido titular apenas em nove dos 48 jogos realizados ao serviço da equipa bracarense. Para José Carvalho Araújo não passa de uma questão de características individuais.
«Há jogadores que têm este perfil. O facto de entrarem já com o jogo em andamento faz com que tenham vantagem a nível físico. De início, os jogos normalmente são mais fechados, mais rigorosos e acho que ele tem de perceber melhor o jogo.»
«O Álvaro precisa de espaço, profundidade e de superar os adversários porque é a capacidade de explosão que lhe dá vantagem. Não acho que é só um jogador para entrar e criar desequilíbrios, mas acredito que tem de continuar a evoluir para dar garantias», concluiu.
Orgulhoso por mais um jovem em processo de afirmação na equipa principal bracarense, à semelhança de outros que treinou, como David Carmo, Trincão e Vitinha, José Carvalho desvaloriza a questão da titularidade e deixa um conselho em jeito de despedida: «É preferível fazer 30 minutos brutais do que 60 que ‘não aquecem nem arrefecem’.»
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