“A construção do Estado [na Guiné-Bissau] continua refém do império marcial”

No ano passado, assinalaram-se os 50 anos da morte de Amílcar Cabral, e este ano o centenário do seu nascimento. António Duarte Silva defende, no seu último livro, o papel deste político africano como figura central no processo da descolonização portuguesa e na independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e, em entrevista, olha para o desenvolvimento, desigual, dos dois países

Amílcar Cabral foi assassinado antes de ver concretizada a independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, mas a sua ação foi fundamental para o processo de descolonização português. António Duarte Silva, jurista, estudioso do político africano e da Guiné-Bissau, defende isso mesmo no seu último livro, Amílcar Cabral e o Fim do Império – Independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Em entrevista ao NOVO, analisa a evolução de Cabo Verde e da Guiné-Bissau, que seguiram caminhos diferentes,.

 

Nesta altura, Amílcar Cabral tornou-se uma figura consensual e o seu papel no processo de descolonização reconhecido?

Amílcar Cabral provou ser o teórico, estratega e artífice da luta de libertação nacional dos povos sob dominação colonial portuguesa. Destacou-se não só pelo modo como definiu e enfrentou a luta contra o colonialismo e a construção da unidade nacional da Guiné-Bissau e Cabo Verde numa perspetiva pan-africana, como pela diplomacia que desenvolveu em África, na Europa, nos países comunistas, nos Estados Unidos e, sobretudo, em variadas sessões da ONU e da OUA.

No início dos anos sessenta, as organizações nacionalistas das colónias portuguesas, embora continuando a tentar uma solução pacífica, foram gradualmente preparando a etapa revolucionária. A teorização política e a definição estratégica couberam, sobretudo, a Amílcar Cabral e aos angolanos Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade e, historicamente, acompanharam a formação paralela do PAIGC, do MPLA e da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas [CONCP].

Na década seguinte, aquando das independências associadas da Guiné-Bissau, em 1973, e de Cabo Verde, em 1975, Amílcar Cabral, assassinado em 20 de janeiro de 1973, foi oficialmente declarado fundador de ambas as nacionalidades. Nos anos subsequentes (na Guiné-Bissau até ao golpe militar de 14 de novembro de 1980) e em Cabo Verde (até à aprovação da Constituição de 1992) o culto e o mito do seu pensamento e obra foram mantidos, mas o centenário do seu nascimento em 12 de setembro de 2024 não será oficialmente comemorado em nenhum destes dois países. Porém, Amílcar Cabral continua conhecido e estudado em todo o mundo.

 A Guiné-Bissau e Cabo Verde partilham o início do processo de independência, mas seguiram caminhos diferentes. O que explica uma tão grande diferença entre os dois países?

Amílcar Cabral foi um defensor e um símbolo da Unidade Guiné-Cabo Verde, para cuja prossecução criou o Partido Africano da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Filho de cabo-verdianos, nasceu na Guiné Portuguesa, concluiu a instrução primária e o curso liceal em Cabo Verde, foi bolseiro da Casa dos Estudantes do Império, matriculando-se aos 21 anos de idade no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa; concluído o curso, partiu para Bissau em 1952 contratado pelo Ministério do Ultramar; regressou a Lisboa em 1955 e obteve um emprego como investigador em Angola, onde se deslocava regularmente. Em 1960, decidiu instalar-se em Conacri, para “cumprir o seu dever de africano, no seu próprio país, no contexto do seu tempo”. Para ele, a unidade era imposta pela história, pela realidade e interesses dos respetivos povos e da África, e pela estratégia da luta de libertação, já que não era possível a independência da Guiné sem a independência de Cabo Verde, nem havia independência dos países ribeirinhos sem a independência de Cabo Verde.

 

Leia o artigo na íntegra na edição do NOVO que está, este sábado, dia 23 de março, nas bancas

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