O Tarrafal – Diário do Minho

 

 

Com quase 23 anos de idade e recém-casada, voei até Cabo Verde com o meu marido, ele para cumprir o serviço militar, como alferes miliciano, eu para liderar a equipa de professores que viria a fundar a primeira Escola do Magistério do arquipélago, então colónia portuguesa, na sua capital, a cidade da Praia.

Em Cabo Verde passámos um dos mais felizes períodos da nossa vida. Em Cabo Verde vivemos os primeiros anos do nosso casamento. Em Cabo Verde nasceram os nossos dois filhos. Em Cabo Verde ajudámos a formar, sem terem de sair da sua terra, os primeiros “professores primários” cabo-verdianos. Em Cabo Verde deixámos a marca dessa escola novinha em folha, prolongada nas crianças que haveriam de ter, como professores, os nossos alunos. Em Cabo Verde fizemos amigos para a vida. E em Cabo Verde, no dia 25 de Abril de 1974, soubemos, meio atordoados, que tinha acontecido em Lisboa uma revolução!

Servem as linhas acima de introdução ao testemunho que se segue, relacionado com um lugar especial, o mais visitado de Cabo Verde: o campo de concentração do Tarrafal.

Por passarem 50 anos da libertação dos presos políticos do Tarrafal, os canais de televisão mostraram, no dia 1 de Maio, imagens dessa cadeia, a mais cruel prisão política do Estado Novo. Durante os anos que vivi em Cabo Verde visitei esse tenebroso lugar, campo de sofrimento e morte lenta. Arrepiei-me diante da célebre “frigideira”, cubículo minúsculo de cimento, completamente fechado, onde os prisioneiros mais severamente castigados se alimentavam de pão e água de dois em dois dias, sob temperaturas insuportáveis. Muitos morreram ali.

Diante das imagens televisivas, instalou-se-me na memória uma emocionante vivência, tão clara e intensa como há 50 anos: no dia 1 de Maio de 1974, em Cabo Verde, da janela da residência paroquial da cidade da Praia, que frequentávamos com regularidade, como paroquianos activos, eu e o meu marido assistimos ao cortejo, em camiões de caixa aberta e finalmente livres, dos presos do Tarrafal, cujo único crime tinha sido, apenas e só, pensarem diferente, escreverem diferente, cantarem diferente. Há 50 anos, o 25 de Abril abriu-lhes as portas. Cinco dias depois, o 1º de Maio trouxe-os à rua e à liberdade. Desfilavam devagar e entusiasticamente na principal avenida da cidade, sob os nossos olhos embevecidos e muitas, muitas, intermináveis palmas.

Jamais esquecerei a alegria, a euforia, o delírio dos recém-libertados, acenando, cantando com a alma toda, torturada durante anos mas nunca acorrentada. A manifestação de apoio e solidariedade do povo cabo-verdiano, apinhado nas ruas da capital, é indescritível! Uma festa comovedora até às lágrimas!

Fez há dias 50 anos! Foi a libertação dos presos do Tarrafal! Foi o 1º de Maio mais lindo da minha vida! 

Nota: A autora não escreve segundo o último acordo ortográfico. 

 

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