Nasceu em Lisboa a Casa da Cultura da Guiné-Bissau

“Nô kasa”. É como ouviríamos dizer “a minha casa” na Guiné-Bissau, no seu crioulo. E é assim que a cultura guineense passa a sentir-se em Lisboa: como se estivesse em casa. O dia 20 de janeiro de 2024 ficará para sempre marcado como aquele em que nasceu a Casa da Cultura da Guiné-Bissau (CCGB) na capital portuguesa. Um espaço que se pretende que seja de representação da diversidade cultural guineense, da literatura à música, do cinema ao teatro, da dança contemporânea ao folclore e, como já é tradição, da investigação académica.

O mundo é o alvo.

No elenco da criação da Casa da Cultura estão nomes sonantes do setor cultural e académico guineense (Miguel de Barros, António Soares – Tony Tcheka) e a ordem do dia é a celebração do centenário do herói maior das nações Guiné-Bissau e Cabo-Verde: Amílcar Lopes Cabral, que lutou pela emancipação cultural. Uma data que se celebra em vários países do mundo, durante o ano 2024, tutelada pela Fundação com o mesmo nome, sediada na Cidade da Praia, Ilha de Santiago.

É, no entanto, na data em que Amílcar Cabral morreu, a 20 de janeiro, há 51 anos, que a CCGB nasce, como o marcar de uma revolução.

Rita Ié, a mulher guineense que se assumirá como diretora da CCGB, espera que esta casa seja uma plataforma onde “também podemos fazer a nossa luta, porque a cultura é uma forma de resistência” – e um motor de transformação social.

Foto: Líbia Florentino

Ainda que nasçam sem sede, escritor Amadu Dafé, um dos responsáveis pela Casa, vê a inauguração com um “ato de coragem”, para provar que mesmo sem um espaço físico, por enquanto, “a cultura está no pensamento das pessoas e poderá acontecer”.

Os guineenses em Lisboa

Lisboa é uma cidade importante para os guineenses, pela proximidade histórica e linguística. Nela têm lutado os milhares que chegam mensalmente há várias décadas para se desenvolver em diversas áreas do saber ou simplesmente à procura de oportunidades de trabalho e melhoria de condições de vida. Mas, ao olharmos para o panorama cultural nesta geografia, incluindo a imprensa local e os destaques dados aos artistas, a representatividade guineense no vasto setor cultural português continua a escassa – com exceção de alguns nomes da música, da literatura, do jornalismo, da moda, do desporto e das artes performativas, que encontram algum espaço por iniciativas individuais.

Foto: Líbia Florentino

Para alguns especialistas, a pouca visibilidade e reconhecimento de atores culturais guineenses na diáspora e no mundo deve-se ao fator instabilidade política na Guiné-Bissau e a sua consequente ausência de políticas culturais, sendo o Estado insubstituível neste processo.

Amadu Dafé, escritor, conta que este projeto nasce da “necessidade natural partilhada por várias gerações de guineenses na diáspora” para mostrar aos outros povos a sua cultura, o que o guineense é na sua essência.

A ideia “não é original, não teremos nenhum mérito” segundo Dafé. O que se fez foi “aproveitar a oportunidade” de juntar pessoas relevantes neste setor e residentes em Portugal, com disponibilidade para trabalhar na Casa da Cultura da Guiné-Bissau e dar uma resposta necessária ao que se requer nessa e noutras diásporas.

Um lugar para todos, independentemente da origem

E as portas não abrirão apenas para os guineenses, remata Amadu Dafé: “vai consumir-se primariamente a cultura guineense, mas toda a gente deverá beneficiar da casa, guineenses e não guineenses”.

Este sábado, dia 20 de Janeiro, data em que se assinala 51 anos do assassinato de Cabral,  a Casa da Cultura é oficialmente apresentada, na sede da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), às 15:30.

Ficaremos a conhecer o programa de atividades que irá desenvolver durante este ano. Como inciativas de celebração do “Centenário de Cabral”, o “Prémio Literário Vasco Cabral” e o “Ora di Kanta Tchiga”(“É chegada a hora de cantar”, para homenagear o pioneiro da música moderna guineense, José Carlos Schwarz).

A casa terá ainda em funcionamento uma base de dados com informações sobre atores culturais guineenses de vários setores, que tornarão disponíveis ao público e aos agentes culturais de vários setores, para consultas.

A mulher guineense à frente da revolução que nasce em Lisboa

Rita Ié é o nome da diretora da CCGB. Uma mulher “com capacidade de liderança”, que veste a camisola e assume o desafio, diz o colega Amadu.

“Dou a cara, mas na verdade há um número muito vasto de pessoas interessadas em promover a cultura e levá-la mais longe, dar a conhecer aquilo que se faz no nosso país, que é muito bom, e porque não são só notícias negativas que definem um país. Na verdade, não o definem e são residuais, perante uma cultura que é tão rica e variada”, diz a diretora e socióloga Rita.

Para essa responsável da Casa da Cultura da Guiné-Bissau, o importante acima de tudo é pensar que sem “todos” os que fazem parte da sociedade não podemos ir longe. “Falando das mulheres, temos um papel muito importante na cultura guineense, somos as maiores promotoras da cultura guineense, falo das ‘mandjuandadi’, por exemplo. Mas não só mulheres também: todos devem estar empenhados”.

“Contamos não só com os guineenses, mas com todas as comunidades que convergem nessa cidade de Lisboa e Portugal”. O resto, constrói-se “tijolo por tijolo”.

Foto: Líbia Florentino

Contam já com o apoio dos “manos” cabo-verdianos. Ângela, responsável pelo Centro Cultural de Cabo Verde, País historicamente irmão da Guiné-Bissau, pela luta comum para a a independência, demostra muita satisfação pela abertura de uma casa da cultura guineense e garante que fará de tudo para nunca coincidir as suas atividades com a dos “manos” guineenses. 

Espera que a CCGB seja um “veículo da cultura da Guiné-Bissau e de todos nós, que seja isenta de questões políticas e partidárias, e que sirva a cultura, a proteção do património e seja guardião da identidade do povo guineense”. “Espero que sejamos parceiros”, remata.

Lisboa como ponto de partida, o mundo como destino

Mónica Cosas é agente brasileira de promoção artística em Lisboa, já trabalhou com músicos expressivos da Guiné-Bissau e os apresentou em cartazes importantes no Brasil. Diz esperar que a CCGB “seja uma casa que faça uma divulgação ampla do que é a cultura da Guiné, não só em Portugal, mas para o mundo”.

Espera, por isso, que a CCGB seja um espaço que vai apresentar esta cultura não só aos lisboetas mas aos que vêm visitar Lisboa, e levá-la para outros lugares do mundo. “Como brasileira, agente das artes, se conheço e aprofundo os meus conhecimentos sobre a cultura da Guiné-Bissau numa casa como esta, depois poderei levá-la ao Brasil.”

Já fazia falta uma casa de representação da Guiné-Bissau em Lisboa. Que o diga Neusa, imigrante guineense em Lisboa, que diz que a CCGB pode vir preencher o vazio que existe face às Casas de Angola, Centro Cultural de Cabo Verde e do Brasil – que fazem o mesmo papel referente às suas culturas em Portugal.

Torna-se importante “temos um espaço para promover a nossa cultura que é tão rica e diversificada”, aqui em Portugal, e no mundo a partir de Lisboa, diz. Mostrar também que “não temos só uma expressão, mas várias, incluindo por exemplo a moda e grandes estilistas como Alfa Cante”.

Mensagem faz jornalismo em crioulo, pela primeira vez nos media em Portugal



Karyna Gomes

É a jornalista responsável pelo projeto de jornalismo crioulo na Mensagem, no âmbito do projeto Newspectrum – em parceria com o site Lisboa Criola de Dino D’Santiago. Além de jornalista é cantora, guineense de mãe cabo-verdiana, e escolheu Lisboa para viver desde 2011. Estudou jornalismo no Brasil, e trabalhou na RTP, rádios locais na Guiné-Bissau, foi correspondente de do Jornal “A Semana” de Cabo verde e Associated Press, e trabalhou no mundo das ONG na Unicef e SNV.


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