O movimento Raeliano, que nasceu em França nos anos 70 e teve o seu boom nos anos 80, navegou as crenças em extraterrestres, tornou-se um dia numa multinacional do alienígeno e teve grandes planos para Portugal. E não foi assim há tanto tempo. Os raelianos acreditam que a Humanidade foi criada por extraterrestres. Em 2015 pediram autorização ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português para construir uma Embaixada Extraterrestre em território nacional, num investimento que ultrapassava 40 milhões de euros. Em Portugal queriam também erguer uma cidade. E criar as raízes de um partido que chamavam Paraisista. Viam em Portugal um paraíso. Portugal não viu o mesmo neles.
Advertência: Qualquer semelhança entre a raelidade e a realidade poderá ser pura coincidência.
Não são religiosos, não querem polémicas, mas estas perseguem-nos como um cão persegue a sua cauda. O Movimento Raeliano, que nos anos 80 cresceu à boleia do deslumbramento tecnológico, do fascínio da odisseia no espaço e do imaginário colectivo intergaláctico, povoado de naves espaciais, seres extraterrestres, OVNIS (Objectos Voadores Não Identificados), encontros imediatos de primeiro, segundo e terceiro grau, abduções alienígenas e as mais incríveis teorias do misticismo beyond, está prestes a cumprir meio-século, sobrevivendo a tudo e mais a enorme polémica que atingiu a organização nos anos 2000. Nessa altura, sob o efeito da famigerada ovelha Dolly – o primeiro mamífero a ser clonado a partir de uma célula adulta, em 1996 -, o braço tecnológico do Movimento Raeliano parecia estar na linha da frente do negócio do século: a clonagem humana.
Os raelianos, que preconizam que é na clonagem que se encontra a imortalidade, chegaram a anunciar o nascimento da primeira bebé clonada, que baptizaram de Eva. Esse suposto passo de gigante para a Humanidade não passou de uma maçã envenenada, que os próprios raelianos criaram e amargamente degustaram. A “boa-nova” foi anunciada com pompa e circunstância em Hollywood, perante os olhares estupefactos do mundo e da ciência. Porém, os raelianos nunca conseguiram apresentar provas científicas que corroborassem as suas afirmações. Eva nunca apareceu em carne e osso.
A comunidade científica caiu-lhes em cima como um rolo compressor, o mesmo acontecendo com as autoridades judiciárias norte-americanas. O caso, com complexas questões de ordem ética e legal, originou um longo processo judicial, que deixaria a nu a multinacional em que o Movimento Raeliano se tinha transformado desde a sua fundação. O Movimento Raeliano internacional, que parecia ter os cofres a abarrotar, estremeceu perante um cenário cósmico de pré-falência, ao contrário do seu líder, o francês Claude Vorilhon, autodenominado Rael, que se manteve até hoje com um pé na eternidade e outro na lista da Forbes.
Este escândalo de proporções planetárias não acabou com a organização, que muitos classificavam de seita. Embora abalado onde mais doía (nos extratos bancários), o Movimento Raeliano levou anos para retomar o fôlego, remetendo-se a um contraditório silêncio, até porque Rael, guru-mor, dizia ter sido eleito pelos seres extraterrestres para espalhar o seu gospel seminal.
O grande desígnio do Movimento Raeliano (leia-se de Rael) foi sempre o da construção de uma “Embaixada Extraterrestre” no planeta Terra. E, por estranho, Portugal era o destino escolhido para a construção dessa embaixada, mas o governo português nunca autorizou este projecto, apresentado no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que há oito anos se viu obrigado a lidar com este assunto quando os raelianos o formalizaram, incluindo o projecto de arquitectura. Os raelianos ainda não desistiram da ideia de construir em Portugal a sua “Embaixada Extraterrestre”, que envolvia um avultado investimento e a construção de uma cidade raeliana com capacidade para 150 mil habitantes.
Houve um tempo em que o Movimento Raeliano, que se movimentava no imenso paradoxo de uma religião ateísta, captava milhares de pessoas para a sua causa extraterrestre, idolatrando os deuses da tecnologia. Hoje, reza apenas aos obsoletos arquétipos da memória, vivendo na sombra do que outrora foi. Rael, o profeta alienígena, continua a viver à sombra dos proventos.
O Movimento Raeliano, que sobrevive numa pobreza quase franciscana, fez de Rael um homem imensamente rico, ao abrigo de uma estranha inimputabilidade. Disse uma vez que nunca tinha cometido algum crime e que não tem culpa que tivessem acreditado nele. Se ainda acredita em extraterrestres? Ele diz que sim. Se podia dizer outra coisa? Sabemos a resposta. Em Portugal, já se contam pelos dedos os que ainda acreditam no mestre Rael. Os indefectíveis raelianos não chegam a uma dezena.
A origem das espécies segundo Rael
Claude Maurice Marcel Vorilhon nasceu em Vichy, França, em 1946. Todos os que o conheciam, e a família também, descreviam-no em jovem como alguém muito ambicioso, incapaz de estar sossegado, daqueles que precisa de protagonismo e de palco. Ninguém diria, porém, que algum dia desse em profeta de seres extraterrestres e muito menos que enriquecesse com isso.
Com 25 anos, essa sua veia, de certo modo artística, já se havia manifestado em diversas categorias. Tentou uma carreira de cantor, definindo-se como romântico-pop-experimentalista. Foi difícil abdicar desse sonho, enfrentando a mais dura das verdades, com a mais comum das desculpas: se cantando não encantava, a culpa não era certamente dele, mas de quem ainda não estava qualificado para o ouvir. Claude Vorilhon tinha um ímpeto comunicacional que não conseguia conter. Tinha vontade de ser escritor, mas não havia maneira de encontrar tempo para isso. Pelo que acabou por derivar para a Comunicação Social, enquanto jornalista de uma especialidade sobre rodas: automobilismo. Foi durante muitos anos uma espécie de test-driver literário para uma revista que tinha mais a ver com ele do que ele próprio admitia: Auto Passion.
Claude Vorilhon, francês, é o autodenominado Rael, mentor e líder supremo dos Raelianos. Vive actualmente numa espécie de anonimato dourado. © Créditos: DR
Estão entre o verídico e o lendário as razões que um belo dia, mais precisamente o dia 13 de Dezembro de 1973, então com 27 anos, o levaram a visitar “Puy de Lassolas”, na Chaine des Puys, um conjunto de crateras vulcânicas no centro de França, a um pouco mais de mil metros de altitude. Foi ali, segundo Claude Vorilhon, que nesse dia lhe apareceu um extraterrestre.
No livro que publicaria mais tarde – A Mensagem Dada Pelos Extraterrestres – O Livro que Diz a Verdade -, Vorilhon descreve assim esse esotérico episódio: “O ar estava fresco e o céu acinzentado com um fundo de névoa. Eu caminhava e fazia um pouco de footing. Tinha deixado o caminho onde estacionara o carro e decidi ir até ao centro da cratera onde eu, no Verão, frequentemente fazia piqueniques com a família. Que local magnífico e exaltante. Já ia embora e olhava uma última vez para os cumes da montanha circular engendrada pelo amontoamento de escórias”.
“De repente, apercebi-me de uma luz vermelha que piscava no nevoeiro e em seguida de uma espécie de helicóptero que descia na minha direcção. Mas um helicóptero faz barulho, no entanto aqui eu não ouvia absolutamente nada, nem sequer o menor silvo. Um balão? O engenho encontrava-se agora a uma vintena de metros de altitude e apercebi-me que era de forma achatada. Um disco voador! Sempre acreditei firmemente em discos voadores mas nunca esperei que um dia viesse a ver um. Este tinha cerca de sete metros de diâmetro, raso por baixo e cónico na parte de cima, com uns dois metros e meio de altura. Na sua base, uma luz branca intermitente lembrando um flash duma máquina fotográfica. Esta luz branca era tão intensa que eu não a podia fixar sem piscar os olhos. O engenho continuou a descer sem qualquer ruído e imobilizou-se a dois metros do solo. Eu estava estupefacto e fiquei absolutamente imóvel”.
Teríamos de confiar na sua epifania, disse sempre, pois ele tinha partido para esta expedição a solo, para uma jornada introspectiva da natureza com a sua. Este ser, que do engenho voador veio ao seu encontro, de acordo com as descrições de Vorilhon, não correspondia ao protótipo generalista de um extraterrestre, avisando desde logo que não era verde, não tinha as míticas antenas e o tradicional aspecto assustador. Para espanto do l’élu, tinha a morfologia humana, era amigável e falava correctamente francês. Claude Vorilhon, segundo Claude Vorilhon, foi gentilmente abduzido sabe-se lá para que dimensão, sabe-se lá a que velocidade. Tinha sido como um instante, embora ele soubesse que não.
Fosse de onde fosse, quando chegou já não era Claude Vorilhon. Era Rael, o profeta, com uma verdade para contar, tal como tinha transmitido o senhor extraterrestre ao seu interlocutor gaulês. A criatura abduzante, dizia o abduzido, não lhe sonegou informação, pelos vistos classificada pelos extraterrestres durante coisa de quatro milhões de anos. Essas criaturas, que Rael denominava de “Elohim” (em hebraico significa “Deus”), seriam os criadores de todas as formas de vida no planeta Terra. Eram os nossos criadores, garantiu Rael aos sete ventos.
De Rael nasceu o Movimento Raeliano original, logo no início de 1974, que o profeta não tinha tempo a perder, sistematizando cada vez mais as suas teorias numa espécie de carta astral da Humanidade. Os “elohim”, garantia o profeta, incumbiram-no da missão de construir à face da Terra uma “Embaixada Extraterrestre” para os receber. Nunca explicou bem porquê, mas sempre foi dizendo, com um certo chauvinismo, que França estava fora de questão. Israel, com o seu estatuto bíblico de Terra Prometida, era o território natural para a construção da Embaixada Extraterrestre, embora a crónica intifada não oferecesse grandes garantias de segurança aos “supremos designers”. Seria uma questão para mais tarde. Israel teria oportunidade de mandar Rael dar uma volta.
Nem uma embaixada extraterrestre se começa pelo telhado, nem o Movimento Raeliano começava pelo fim. Ao profeta cabia antes disso pregar “a verdade” à Humanidade. A verdade de Rael estava entre a salvação e uma determinada tipologia de racismo. Não era bem uma religião, mas se fosse seria a religião do ateísmo. Os “elohim” tinham entregue a Rael a chave da imortalidade: a clonagem. Um assunto que, curiosamente, à época se discutia com todo o fervor, dividindo a Humanidade como um átomo. Rael, em nome dos senhores extraterrestres, defendia igualmente o apuramento das raças (eugenia, pura e dura) através da manipulação genética, assim como a hierarquia entre estas. No seu léxico não cabia a raça humana, mas as raças humanas, o que lhe valeu uma colheita significativa de raelianos do saudosismo fascista para as suas fileiras. Outros vieram atraídos por temas menos fracturantes como os ensinamentos de Rael sobre “meditação sensual” na busca pelo “orgasmo cósmico”, uma espécie de Big-Bang de implosão de pessoal.
No entanto, o que mais interessava reter das suas profecias era um tema tão velho quanto o ser humano. Rael tinha em mente o negócio dos negócios: a imortalidade. O Movimento Raeliano crescia um pouco por todo o mundo, conquistando raelianos nos cinco continentes, visibilidade, capacidade financeira, poder. No espaço de uma década transformou-se numa multinacional, com sucursais em mais de 80 países e mais de 150 mil seguidores, criteriosamente escolhidos pela generosidade e a capacidade de financiar em Terra a causa extraterrestre.
A viúva negra portuguesa saiu em liberdade
Em 1997, o Movimento Raeliano conseguiu cumprir um sonho bastante dispendioso, num paraíso fiscal: as Bahamas, onde foi instalada a Clonaid, sob a capa da investigação científica, com vista à clonagem humana. Dolly, a ovelha mais famosa do mundo, tinha nascido um ano antes. O momento de anunciar o seu modelo de negócio era aquele. O profeta Rael não o desperdiçou.
O negócio da imortalidade
Brigitte Boisselier, cientista francesa e “guia” raeliana, termo que designa os altos-quadros da organização, foi a eleita para CEO da Clonaid, que desenvolveria em humanos a mesma técnica que fora utilizada para criar a ovelha Dolly, embora sem mencionar o detalhe daquela ovelha envelhecer muito mais rápido do que as outras. O laboratório da imortalidade, tal como Rael a definia, trabalhava dia e noite para a oferecer aos seres humanos com capacidade para pagar uns módicos 250 mil dólares. Uma pechincha, que mais parecia extraterrestre. Enquanto Boisselier trabalhava no processo de clonagem humana, usando alguns raelianos que se disponibilizaram para cobaias, a Clonaid foi aceitando uma enorme lista de espera.
Segundo Rael, pessoas de todo o mundo já tinham assinado contrato e o respectivo termo de responsabilidade com a Clonaid, que a empresa ia gerindo com pinças, apresentando amiúde alguns dos casos mais dramáticos do rol, para manter o seu negócio em crescendo, em acepipes publicitários. O viúvo que queria clonar a defunta mulher, o pai que queria clonar o filho que morreu de doença prolongada, aqueles que em vida queriam contrariar antecipadamente o inexorável da morte.
O estado de graça ilusório da mudança de século e a crença cega na tecnologia, findos os mitos que o mundo ia acabar, também serviu o marketing da Clonaid, que era o mesmo que dizer do Movimento Raeliano que, nas palavras de Rael, Claude Vorilhon no passaporte, não acreditava em Deus algum. “Acreditamos na tecnologia, na teoria ateísta do Design Inteligente, em que a tecnologia serve verdadeiramente a Humanidade, numa concepção paraisista de sociedade, onde o dinheiro é obsoleto e o trabalho desnecessário”. Potenciais raelianos não faltavam. Nessa altura, o Movimento Raeliano expandiu, consolidando uma forte presença em países como o Canadá, EUA, França e Japão, onde Rael encontraria morada. A expansão do Movimento Raeliano e o crescimento da Clonaid estavam directamente relacionados.
No dia 27 de Dezembro de 2002, cinco anos após a constituição da Clonaid, Brigitte Boisselier convocou a Comunicação Social dos quatro cantos do mundo para uma conferência de imprensa, em Hollywood, na Califórnia, anunciando sem delongas que a Clonaid tinha clonado com sucesso o primeiro clone humano. Senhoras e senhores: a Eva. A bebé, informou a CEO da Clonaid, tinha nascido de cesariana algures fora do território norte-americano, a mãe e a filha estavam de boa saúde.
A um número incessante de perguntas, um número equivalente de não-respostas. Desde logo à pergunta sacramental: Onde está a Eva? Boisselier tinha muita pena mas, por razões de segurança, não podia dizer. E as amostras de ADN que confirmassem as suas afirmações? Também não estavam disponíveis. Se algo ficou claro nessa conferência de imprensa, foi que a Clonaid não tinha realizado testes genéticos para avaliar se Eva era o que Boisselier dizia: o primeiro clone da Humanidade. Com excepção da CEO da empresa, toda a gente ficou com a impressão de que era mais uma crença do que um facto científico.
Ao longo dos tempos que se seguiram, que foram de tempestade para a Clonaid e para o Movimento Raeliano, que então se esforçava para se dissociar da empresa de biotecnologia, muitas foram as versões sobre Eva e o seu paradeiro, sem que nunca tal ficasse provado. Sob jura, Boisselier chegou a afirmar em tribunal que a criança se encontrava em Israel. A Clonaid nunca apresentou a criança nem qualquer prova da sua existência, assim como da sua suposta mãe biológica ou dos seus supostos pais adoptivos. Neste caso, mães adoptivas, pois a CEO chegou a afirmar que a criança tinha sido adoptada por um casal de lésbicas de nacionalidade holandesa, coisa que também não conseguiu provar. O que ficou claro durante o longo processo judicial à Clonaid foi que a sua especialidade não era a clonagem, mas a ficção. Sendo assim, só Hollywood batia certo.
David Uzal é o líder do Movimento Raeliano para os países lusófonos. Por todo o mundo o Movimento Raeliano está em decadência, como se tivesse sido engolido pela sua própria ficção. © Créditos: DR
As críticas da comunidade científica internacional à empresa-satélite do Movimento Raeliano foram impiedosas, com acusações de fraude. Os danos reputacionais na Clonaid foram notórios, com a sua famosa lista de espera a diminuir drasticamente. O Movimento Raeliano acusava os ricochetes, resguardando-se no silêncio e na estratégia de vitimização, em argumentos de inimigos ocultos da verdade que Rael trouxe ao mundo. Rael, algures no Japão, demonstrava sinais exteriores de riqueza, mas os “verdadeiros” raelianos não lhe podiam levar a mal. Por muito que Rael dissesse que a Clonaid e o Movimento Raeliano eram coisas distintas, só mesmo os mais ortodoxos dos seus seguidores acreditavam. Restou-lhes o tempo, para curar essas feridas, que quase matavam o Movimento Raeliano que, por entre o caos que tinha criado, encontrou forma de sobreviver ao escândalo “Eva” e ao óbvio logro do primeiro clone humano. Só a partir de 2013 o Movimento Raeliano retornou em força ao espaço público, voltando a crescer.
Como tantas outras coisas nesta organização, nunca foram claros os meios de financiamento do Movimento Raeliano Internacional. A Fundação Raeliana, criada para gerir as verbas do projecto da embaixada, vive de donativos e de um por cento do ordenado de cada raeliano no mundo.
Portugal na mira
Em meados de Abril de 2015, chegaram ao Governo português duas cartas, com aviso de recepção e remetente na sucursal canadiana do Movimento Raeliano Internacional. Uma era endereçada ao ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que era então Rui Machete. A outra, a Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Assunto em epígrafe: construção de uma Embaixada Extraterrestre em Portugal.
Por muito que a temática pudesse parecer retirada do argumento de um filme de ficção científica, série B, daqueles que povoavam o imaginário de quem era jovem nos anos 80, as cartas eram concretas e o projecto de arquitectura da Embaixada Extraterrestre também. Assim sendo, várias questões se colocavam, umas de teor metafísico, outras, no mínimo, de carácter legal.
Na altura, os Ministérios envolvidos limitaram-se a confirmar a recepção de tão estranha missiva, escusando-se de início a tecer juízos de valor sobre o seu conteúdo, sobre os remetentes e as suas pretensões. A formalidade da carta exigia o formalismo de uma resposta, como é de protocolo. Esta tardou, mas não faltou, como chuva no molhado: o projecto, claro, não acolhia deferimento. Algo que não esmoreceu a embaixada de luxo que o Movimento Raeliano enviou para Portugal, para uma campanha de charme às autoridades portuguesas. Nessa altura, o guia raeliano David Uzal – que nasceu em Portugal, cresceu em França e habitava no Brasil -, responsável pelo Movimento Raeliano Internacional na América Latina e Países Lusófonos, assegurava isto: “Os raelianos são pessoas de paz. Não somos uma igreja, nem uma religião. O nosso objectivo não é convencer as pessoas, nem a conversão de multidões”.
Portugal não foi o primeiro país a ser desafiado pelo Movimento Raeliano para anfitrião da Embaixada Extraterrestre. “Já houve contactos com o Brasil, EUA, Canadá e Peru”. Como os sinais que vinham do governo português não eram muito animadores, “também encetámos contactos com Angola”. Em todos os casos, o mesmo resultado: “Por este motivo ou por aquele, as negociações nunca chegaram a bom porto”. David Uzal disse ainda o que já se sabia, sabendo também da sua impossibilidade: “A nossa prioridade para a Embaixada Extraterrestre é sempre Israel e a cidade de Jerusalém. Já tentámos diversos contactos com Israel, mas o projecto foi sempre recusado”. Ainda assim, “quando um país aceitar o nosso projecto de embaixada, daremos sempre um prazo de duas semanas a Israel para mudar de opinião”.
Pensamos que a grave crise que assola o país despertou a consciência do povo português, que começou a questionar as supostas verdades inquestionáveis. Nota-se inquietude. E abertura para uma mensagem espiritual modernizada.
Porquê Portugal? À mais óbvia das perguntas, Uzal respondeu assim: “Por diversos motivos. Pensamos que a grave crise que assola o país despertou a consciência do povo português, que começou a questionar as supostas verdades inquestionáveis. Nota-se inquietude. E abertura para uma mensagem espiritual modernizada. É um povo acolhedor, pacífico. E, para além disso, tem um clima fantástico”. Há coisas que não mudam.
Para reforçar as melhores intenções do Movimento Raeliano em relação a Portugal, que estava num daqueles momentos cíclicos de crise, deslocou a Lisboa nada menos do que o braço-direito de Rael: Pierre Gary, que actualmente reside na Bretanha, tendo sido em tempos chefe de redação da Auto Passion, onde Claude Vorilhon trabalhou enquanto jornalista/piloto de testes. Gary tem uma paixão, longe de passageira, por automóveis e iates de luxo, sinal que Rael não se esqueceu dele.
Pierre Gary estava nessa altura em trânsito para a Croácia, onde o Movimento Raeliano realizava a Universidade da Felicidade Europeia. Depositou em Lisboa a esperança de que um dia fosse em Portugal a Embaixada Extraterrestre, com o ar mais sério que pôde, aproveitando para esclarecer que os raelianos não tinham objectivos políticos na manga, embora estivesse nos planos a formação do Partido Paraisista. O paraisismo, explicou, “é um modo de organização da sociedade, como os nos ensinaram os extraterrestres”.
Embaixada com piscina
A filosofia raeliana baseia-se na crença que foram os Elohim, civilização extraterrestre, que criaram a Humanidade, assim como as suas religiões. “Os Elohim são seres humanos extraterrestres, tecnologicamente muito avançados. Foram eles que criaram o Homem em laboratório, através da clonagem. Ao longo destes tempos, têm esperado que a Humanidade tenha desenvolvido tecnologia compatível com a deles”. Segundo os raelianos, os ditos Elohim têm vindo a preparar a Humanidade para um encontro imediato de primeiro grau, à escala global, previsto para 2035.
O projecto da Embaixada Extraterrestre não é apenas um projecto. É um desígnio.
As melhores invenções de Portugal
Nas cartas enviadas para o Governo português em 2015, assinadas por Daniel Turcotte, “adido” diplomático do Movimento Raeliano Internacional, especificavam-se outros pedidos, inerentes à Embaixada Extraterrestre, entre os quais “a concessão de direitos de extraterritorialidade”, assim como uma “zona de restrição aérea”. Garantiam ainda que, “como é evidente, o espaço para a Embaixada Extraterrestre deverá ser afastado de qualquer zona urbana”. O Movimento Raeliano comprometia-se ainda a investir e a trazer muito desenvolvimento para a região onde a embaixada ficasse.
O projecto da Embaixada Extraterrestre é da autoria de Marco Antunes, arquitecto português e então membro pleno do Movimento Raeliano Português, que integrou a equipa internacional responsável pelo projecto, cujo orçamento rondava os 40 milhões de euros, sendo de dois anos o prazo previsto de construção. O arquitecto explicou-nos então, ainda sob um inexplicável entusiasmo, detalhes do projecto, que hoje não passa de um conjunto de esquissos esotéricos.
Todo o espaço em redor do edifício da Embaixada Extraterrestre, explicou, seria um imenso jardim, com vegetação em cortina. Junto à antecâmara da entrada sul, teria uma sala circular de jantar, de grandes dimensões. Na zona principal do edifício, igualmente circular, funcionariam diversas estruturas, entre as quais uma zona residencial, com dois pisos, cada um com 12 apartamentos. No sector norte, seria instalada uma sala de reuniões e a recepção, onde os extraterrestres seriam recebidos. No exterior, como não podia deixar de ser, ficaria a plataforma de aterragem, com 14 metros de diâmetro.
E, de acordo com os planos que os “elohim” terão transmitido ao seu mensageiro na Terra, Rael, que actualmente se dá melhor com o seu nome de baptismo, não poderia faltar uma piscina. Para quem não acredita em extraterrestres, partindo do princípio raeliano de que los hay, los hay, tudo indica que estes também apreciam a sua banhoca e que não são incompatíveis com o cloro.
Os Raelianos, que há menos de uma década estavam disseminados por 86 países, são hoje uma míngua de sonhadores, que envelheceram à espera do dia em que os extraterrestres – os nossos supremos criadores, segundo as epístolas raelianas – nos honrem com a sua chegada. É missão de qualquer raeliano trabalhar para esse dia, mesmo que hoje, sabendo o que já sabem, este pareça de São Nunca. Os resistentes do Movimento Raeliano, do qual até o próprio Rael se retirou informalmente, com pés de lã, preferem aquele nunca se sabe que os fez discípulos dos evangelhos segundo Rael. Nesse aspecto, não são diferentes de qualquer religião. A sua alimenta-se da crença que os nossos supostos criadores, lá no seu ponto de vigia extraterrestre, um destes dias venham visitar as criações. Uma coisa é certa: não vão gostar.
(Autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.)
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