Processo de recriminação em curso – Opinião

Ao princípio era a Alegria e a Desordem. A pré-guerra civil, face à coragem de lhe dizer não. A exaltação do Eu e do Nós, a Liberdade prática face às liberdades teóricas e doutrinais. E uma balbúrdia menos sanguinolenta do que a da Primeira República. Se excetuarmos, claro, os campos de morte que se estenderam na Guiné-Bissau, Moçambique e Angola, durante décadas.












Com o triunfo da contrarrevolução (visão da esquerda maximalista), ou da verdadeira revolução (flâmula os vencedores moderados), no 25 de Novembro de 1975, abriu-se caminho a um sistema constitucional que, após a primeira revisão da Lei Básica, em 1982, criou o chamado “Estado de direito material e formal”, no retângulo e ilhas.

Acabou o mesmo Estado com a legitimidade popular baseada em vanguardas autopromovidas, e reduziu todos os critérios de legalidade, antes de tudo, ao sistema eleitoral. Seria secreto, direto, público, verificável, impugnável e universal.

Depois, reconduziu a mesma lei fundadora à separação, independência e interdependência dos órgãos de poder legislativo, executivo, judicial (toda a magistratura, incluindo a do MP) e moderador/de controlo (representado pelo PR).

Neste regime “governado por leis, e não por homens”, como se dizia no velho brocardo republicano, uma ação de investigação criminal não deveria ser capaz de destruir, ou comprometer, todo o edifício pacientemente construído em 1976.

Mas a verdade comezinha, que pode ser observada pelo comum dos mortais, está algures, independentemente do que os historiadores assinalarem daqui a um século.

Em quase todos os setores, responsáveis ou irresponsáveis, observadores dedicados ou meros espectadores ocasionais, fala-se, pensa-se, projeta-se, discute-se, perscruta-se e imagina-se uma crise grave. Os lapalissianos encartados, na versão do Conselheiro Acácio (diretor-geral aposentado do Ministério do Reino), não hesitam mesmo em descrever “a mais grave das crises”.

A primeira sequela tem a ver com a pretensa exiguidade das indiciações, e o consequente enlamear da Justiça e do seu sentido.

Há quem saliente, sem saber, a síndrome da fábula de Esopo:

“Uma montanha dava à luz, lançando imensos gemidos, e por toda a Terra havia grandes expectativas. Mas dali só nasceu um rato. Isto foi escrito para vós, que ameaçais enormes coisas, mas não realizais nada.”

Outros falam, ainda na confusão da memória popular, de Pedro e o Lobo (na origem, outra vez Esopo, e não a versão parassoviética de Prokofiev) e de Muito Barulho para Nada (novamente Shakespeare).

Ou seja, da próxima vez o povo não acredita na ameaça destes “crimes de perigo abstrato”, e a verdade é ora substituída, ou revelada, ora negada, não por normas, mas por rumores e boatos.

Vem depois a recriminação dos atores políticos. Faço aqui a lista sem tomar partido, avesso que sou a fações, mesmo que satisfatórias.

O PM considera-se vítima de uma cilada.

O PR, como Lutero, obrigado à única saída possível (que aqui coincide com a sua consciência).

A PGR, encarcerada no que julga ser o seu dever legal.

José Luís Carneiro destinado à renovação na continuidade.

Pedro Nuno Santos, à continuidade na renovação.

A oposição divide-se entre sonhos de grandeza pós-socialismo e cautelas higiénico-eleitorais face às consequências populares do “poucochinho socialismo”.

No fim esquece-se que, retornando ao Influencer, temos um processo complexo em que um juiz independente manteve como cerne da indiciação um crime grave, o de tráfico de influência. Que não sendo especificamente nem burla, nem corrupção, nem abuso de autoridade, é ainda assim reconhecido desde as Ordenações Manuelinas, e considerado pela Convenção da ONU Contra a Corrupção como um delito que todos os Estados devem, como prioridade, combater exemplarmente.

Infração que, essa sim, agride a “autonomia intencional do Estado”, e a independência, a autodeterminação e a integridade dos seus agentes.

“Terceira via”, terceira vida

O “libertário-capitalista” Javier Milei ganhou a presidência argentina: três milhões de votos e 11% a mais do que o neoperonista Sergio Massa.

Na imbecilidade dos rótulos correntes, é a extrema-direita a arrasar a esquerda.

Ora o herdeiro do justicialismo nacionalista, da história orgulhosa de uma Argentina diferente e independente, que manteve sempre ambiguidade entre as potências do Eixo e os Aliados, é Massa, não Milei.

Este é uma quantidade desconhecida, que lança a bravata do dólar como moeda pátria, que hostilizou e tentou reconciliar-se com o Vaticano e os judeus, que quer acabar com o Estado, mas por enquanto servir-se dele.

O povo votou nessa nova aventura. Expliquem-na.

A bandeira como marca

Recebi uma nota oficiosa com proposta de transformação gráfica da bandeira nacional.

Diz-se na justificação: “A esfera armilar é reconfigurada de forma sintética num elemento circular amarelo. Simplifica-se assim uma configuração visualmente densa.” E a acabar: “A nova imagem afirma-se também inclusiva, plural e laica.”

Por outras palavras: a densidade era afinal a inclusão dos símbolos históricos aceites da Monarquia pela República de 1910, incluindo os castelos, as quinas e o globo manuelino.

Com ou sem interpretação militar e religiosa, essas marcas lembram a história de 880 anos, e as cores projetam o futuro de coragem e esperança.

Um estandarte é isso: a identidade de um povo.

Sic transit gloria mundi

Assim muda a glória do mundo. A 25 de junho de 1940, Hitler passou horas junto ao túmulo de Bonaparte, na Paris conquistada.

Um diplomata francês, ex-espião do hexágono, lembrou que Napoleão deixara a França mais pequena, no fim das suas guerras.

Ridley Scott dá-nos um espetáculo grandioso, uma visão esplêndida, um regalo pictórico. Mas Napoleão, apesar de ser o filme do ano, aparece, muitas vezes, paroquial. Sem aquele sentido histórico, geopolítico, estratégico, moralmente dilemático, ideológico, estudioso do poder, que pudesse enquadrar o entusiasmo das massas e o massacre de milhões.

Nesse aspeto é a grande tragédia humana transformada em soap opera. Esperemos pela versão integral.











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