Cá se vai andando no Portugal dos Pequenitos

As novidades não são lá muito excitantes. A Cristina Ferreira vai outra vez à Web Summit dar pontapés na língua de Shakespeare, na companhia de um robot, que lhe vai dar reguadas de Inteligência Artificial a cada calinada.

António Guterres, o secretário-geral da ONU, vai continuar com a razão do seu lado e a pregar ao vento sem ninguém lhe dar cavaco, salvo seja. As tempestades vão continuar a ter nomes próprios, assim como as operações policiais.

Melão, o único português que podia ter entrado no Sítio do Picapau Amarelo, vai fazer fisioterapia por estar triplamente traumatizado: teve um acidente de mota, foi operado a uma perna e, ainda no recobro, a contorcer-se de dores, foi obrigado a atender uma chamada de Marcelo Rebelo de Sousa.

O julgamento da morte trágica de Sara Carreira vai continuar em caldos de amnésia. Miguel Sousa Tavares não vai casar com a Miss Portugal, José Alberto Carvalho não vai casar com Miguel Sousa Tavares.

Os pobres vão ficar mais pobres, os ricos, mais ricos, a classe média vai continuar na espiral da utopia, os evasores fiscais vão continuar a evadir-se, as galinhas vão continuar a pôr ovos, o IVA zero vai continuar a significar zero na economia das famílias, os juros vão continuar a cavalgar, os bancos vão continuar a lucrar.

Os eleitos vão continuar a falar, a abstenção vai continuar a crescer, os contribuintes vão continuar a pagar, Jesus vai continuar em palha deitado e Mariah Carey, que já não tem a voz nas cinco oitavas, vai continuar a facturar direitos conexos na santa quadra que aí vem.

Os árbitros vão continuar sob suspeita, os líderes das claques vão continuar a andar em viaturas topo de gama e a declarar ordenados mínimos, os processos judiciais vão continuar a prescrever, as scuts vão continuar a render, o metro quadrado de Portugal vai continuar a inflaccionar, as rendas da habitação vão disparar, os jovens licenciados vão continuar a emigrar, a lei de Murphy vai continuar a exercer o seu fado, a vida dos portugueses vai continuar na viola, pão e vinho.

Sem supresa, o Orçamento de Estado para 2024 foi aprovado na especialidade, sem supresa aprovado foi na generalidade. Já é o terceiro OE que a maioria PS aprova sozinha. Sem surpresa, os deputados únicos do Livre e do PAN abstiveram-se. Sem surpresa, BE e PCP, os ex-geringonceiros, votaram contra, assim como o PSD, a IL e o Chega, que vota contra tudo e mais alguma coisa.

Com alguma surpresa, o Presidente da República, rei dos vetos, também demonstrou uma estranha forma de abstenção neste OE, pondo-se a jeito para algo que ninguém estava à espera: João Galamba, o causador da ruptura anunciada entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, hoje a galáxias de distância do conto de fadas institucional do primeira mandato presidencial, vai continuar a ser ministro das Infraestruturas, embora mais pareça um agente secreto com a pasta dos assuntos computacionais, vai também continuar a passar pelos intervalos da chuva, para não enferrujar o brinco.

O primeiro-ministro não perde uma oportunidade para provocar o presidente da República. E eis que desta vez mandou para o púlpito quem? O próprio João Galamba. Com certeza que não foi pelos seus dotes de oratória que o PM retirou o seu menino mal-comportado do castigo. António Costa matou dois coelhos de uma só cajadada. Para recordar, Marcelo Rebelo de Sousa tinha pedido a cabeça de Galamba numa bandeja, mas António Costa manteve o ministro de pedra e cal. Agora não só o lançou para os holofotes, como ainda o pôs a fazer uma traquinice na Assembleia da República: “Este OE segue a única estratégia possível”, disse Galamba, citando o PR com o maior dos desplantes. Marcelo Rebelo de Sousa, que não é de ficar calado, desta vez ficou. Em si, isto já constitui um facto político. Pena que não tenha acontecido o mesmo com o chefe da missão diplomática da Palestina em Portugal.

Quanto ao resto, foi mais do mesmo. O PS conseguiu de novo manipular toda a oposição, condicionando o debate para as questões de lana-caprina, com o IUC à cabeça, abrindo o diálogo com os médicos para poder passar ao lado da discussão do estado do SNS, como aqueles arguidos que alegam o segredo de Justiça. O PSD (dizem que é o maior partido da oposição) não conseguiu sequer disfarçar algumas afinidades com este orçamento que, pensando bem, é mais laranja do que parece.

*Autor escreve ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.

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