50 anos da independência da Guiné-Bissau: a Rádio Libertação

Após primeiras experiências infrutíferas em 1964, a Rádio Libertação começa a emitir em 1967 a partir de Conacri, depois de a URSS entregar material ao PAIGC, cobrindo não só o território da Guiné-Bissau mas igualmente Cabo Verde.

Com emissões destinadas aos combatentes guineenses, mas igualmente aos militares portugueses, a Rádio Libertação cuja encarnação é nomeadamente a voz da activista e locutora cabo-verdiana Amélia Araújo, vai tornar-se um dos pesadelos do regime colonial, com o qual se abre uma nova frente de combate, desta vez nas ondas, refere Julião Soares Sousa, historiador guineense ligado ao centro de estudos interdisciplinares da Universidade de Coimbra.

“A partir daí, a guerra também ganhou essa escala porque também passou a ser uma guerra das rádios, porque, de um lado, o regime colonial usava mecanismos para que o programa fosse ouvido na Guiné. Portanto, a propaganda era tão intensa que o regime colonial também tentou precaver-se, para ver se impedia que o programa fosse ouvido na Guiné”, conta o investigador.

Agnelo Regala, deputado, líder do partido ‘União para a Mudança’ e antigo Ministro da Comunicação, foi membro da equipa da Rádio Libertação. Após regressar de Portugal onde tinha feito os estudos, Agnelo Regala torna-se professor na escola-piloto e depois é designado para trabalhar como redactor na Rádio Libertação. ao recordar esse período, ele diz que o seu trabalho consistia “no essencial, em fazer alguns programas culturais, fazer programas dirigidos aos militares portugueses, programas de sensibilização, no sentido de mostrar efectivamente que a luta de libertação nacional era uma luta contra o colonial-fascismo português e não contra o povo português”.

Depois de igualmente passar pela escola-piloto, Lissa na Faiol, que inicialmente sonhava estudar medicina, acaba por aprender o ofício de técnica de som, um ofício que vai exercer na Rádio Libertação no início dos anos 70. “Gostei porque a trabalhar na rádio, aprendia-se muita coisa. Ali, convivia-se com muita gente. A mensagem que nós transmitíamos fez-me perceber a importância da rádio”, conta Lissa Na Faiol.

Depois da independência e da partida das tropas portuguesas em 1974, dá-se a transição para a radiodifusão nacional, com o material da Rádio Libertação a ser transferido de Conacri para as instalações da antiga emissora regional de Bissau que passariam a ser a sede da difusora nacional. Agnelo Regala considera que hoje em dia não se dá a devida importância aos órgãos de comunicação social.

“A rádio teve imensas dificuldades para a sua afirmação e as condições não eram as melhores. Nós herdamos aquilo que havia na emissora regional da Guiné, mas posteriormente, de facto, não se prestou a devida atenção aos órgãos de comunicação públicos, mas que foram funcionando. Mas com o andar dos tempos, os meios foram-se degradando, a atenção era mais dada àquilo que trazia algum lucro em termos financeiros. Eu penso que as pessoas nunca chegaram a compreender qual é o papel que os órgãos de comunicação social desempenham num país”, lamenta o responsável político.

Até agora, os tempos também não têm sido muito favoráveis à preservação da memória da Rádio Libertação. Apesar de já se ter aposentado, Lissa Na Faiol continua a ser uma sentinela da memória da emissora e tem tentado salvaguardar os seus arquivos, na Rádio Nacional. Embora alguns programas já tenham sido digitalizados, este é um trabalho difícil, dado o triste estado de conservação de muitas fitas magnéticas, as condições de armazenamento e, sobretudo, a falta de meios.

“Há uma coisa que está a faltar: é a organização. Depois da independência, a rádio ficou organizada como nós organizávamos na luta. Era só ver aquele material, era um mimo. Tudo estava em bobines e em cassetes. Nós tínhamos Nagra, bom material, bons gravadores”, recorda Lissa Na Faiol.

“Após o 7 de Junho (guerra civil de 1998-1999), passou a chover (dentro do arquivo). Recebemos uma formação para passar em digital. Fiquei lá como directora de serviço, trabalhei, mas não tive continuidade. Quando tínhamos cinco computadores, não havia antivírus, não havia gravador de bobine para continuar a trabalhar. Aqueles velhos que nós tínhamos, a cabeça do leitor estava gasta” queixa-se a técnica. “Nós que conhecemos Amílcar, como ele era organizado, queremos aplicar os ensinamentos dele, mas não temos condições para o fazer. Não sei porquê”, desabafa ainda a antiga técnica da Rádio Libertação.

Eis a situação em que se encontram alguns dos arquivos da Rádio Libertação:

Os arquivos apanham humidade. © Liliana Henriques / RFI

Os leitores que servem para ouvir as antigas bandas magnéticas não estão em estado de funcionar. © Liliana Henriques / RFI

As bandas magnéticas estão à mercê da poeira e da humidade. © Liliana Henriques / RFI

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