O que é que esta cerveja tem?

O pote de ouro no fim do arco-íris em São Tomé e Príncipe é… uma cerveja. Garrafa de meio litro, sem rótulo, diz que a máquina avariou há largos anos, e com o branding na carica. Mais: quem não tiver uma garrafa vazia não pode comprar uma nova cheia. A alternativa é ir bebê-la nos bares, como fazem os turistas, ou enveredar por canais paralelos onde o preço de um euro pode escalar, mas é isso ou morrer de desejo (e sede) pela única cerveja nacional, chamada Rosema, como a aldeia onde instalaram a fábrica nos idos anos 70.

Ora bem. O que aqui digo e vou dizer não é nenhum segredo de Estado. Pelo contrário. É o chamado segredo de pé-de-chinelo. Todos o sabem. Desde o cidadão comum ao governante, e todos o comentam, à boca pequena ou à boca grande, como no documentário que este mês vai para o ar, intitulado “Rosema – O Maior Escândalo da Justiça São-Tomense”, da autoria da dupla Nilton Medeiros e Jerónimo Moniz.

Depois desta declaração de princípios, vamos aos factos assim-assim. A Rosema, diz-se, movimenta milhões de euros – sem precisão, pois não há relatório e contas que o valide. Emprega entre 100 a 120 e fabrica um milhão de garrafas por ano – uma estimativa, pois também não há documentação que o comprove.

Verdade, verdadinha é que todos querem ser os owners desta cervejeira construída pelos alemães da ex-RDA e depois vendida, em concurso público, pelo governo são-tomense, na década de 1980, à angolana Ridux, do empresário Mello Xavier. E a partir daqui começa a novela.

Em 2009, um contencioso movido em Luanda contra Mello Xavier levou a que o Tribunal Marítimo de Luanda solicitasse ao Supremo Tribunal de São Tomé a penhora dos bens do empresário angolano em São Tomé, que incluíam a Rosema. Mas durou pouco. Ainda no mesmo ano, Luanda viria a devolver o direito de propriedade da cervejeira que, entretanto, teria passado para o empresário e político são-tomense Domingos Monteiro, num processo que, na altura, foi apelidado de “pouco transparente”. Seguiu-se uma contenda judicial que se arrastou durante dez anos, com ameaças diplomáticos pelo meio entre Angola e São Tomé e com uma fábrica a manter-se heroicamente no meio de disputas jurídicas e políticas. Uma década depois, em 2019, a decisão recai sobre o empresário angolano. Sol de pouca dura. Quatro anos depois, sem mais nem quê, e na sua primeira resolução depois de empossados há menos de um mês, os juízes do Tribunal Constitucional decidiram, esta semana, devolver a cervejeira Rosema aos irmãos Monteiro. Motivos? Ninguém sabe. Porque ninguém os divulga num Estado de direito democrático exercido de forma muito sui generis em STP.

O que é certo e sabido é que o povo não é parvo – como o disse certa vez, em certa crónica por aqui – e já se apercebeu de que as mudanças de dono estão associadas às mudanças do Governo, esquecendo que a Rosema é mais do que um troféu partidário, é um dos maiores contribuintes do país, pode e deve ambicionar a internacionalização, emprega centenas de trabalhadores e até já foi elogiada pelo FMI como um bom exemplo a seguir. Uma empresa que sobrevive ao que a Rosema já sofreu tem no seu ADN fermento suficiente para crescer.

E, apesar de reconhecer que esta cerveja possa ser espectacular e embriagar mentes, ninguém deve conduzir em estado de euforia. Nem carros, nem países.

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