50 anos da independência da Guiné-Bissau: as sementes da luta

Hoje, no terceiro episódio desta série, debruçamo-nos sobre a mudança de paradigma da ocupação portuguesa a partir de meados do século XIX, com a abolição da escravatura e o período que antecedeu o início da luta armada.

Para evocar este aspecto, o nosso fio condutor continua a ser a análise de Julião Soares Sousa, historiador guineense ligado ao centro de estudos interdisciplinares da Universidade de Coimbra e também Mamadu Jao, investigador e antigo director do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau.

Na segunda metade do século XIX, Portugal enceta um processo de intensificação da colonização dos territórios que tinha sob o seu domínio. No âmbito desta política, onde outrora praticavam o tráfico de mão-de-obra escrava, os portugueses passam a investir designadamente na cultura da borracha e do amendoim.

A Guiné-Bissau contudo, devido às resistências da população local, nunca passou de uma colónia de exploração, segundo o investigador Mamadu Jao. “Podemos ver que em diferentes colónias, a própria potência colonial tinha interesses diferentes. Se juntarmos isto à fragilidade económica de Portugal que, mesmo querendo, era impossível economicamente, financeiramente, fazer frente a Angola e Moçambique. Então, houve uma certa divisão em função dos interesses e das possibilidades. Angola foi sempre considerada a colónia de habitação. Era onde os portugueses iam viver. Mas a Guiné era simplesmente uma colónia de exploração. Por isso mesmo, em termos de infra-estruturas, também por causa da resistência permanente do território da Guiné, isto nunca permitiu uma estadia consolidada. Por um lado, temos o aspecto da fragilidade em termos de incapacidade financeira e económica, mas também os próprios riscos de doenças nunca permitiram uma facilidade para a fixação em massa de portugueses na Guiné”, considera o universitário.

Com a abolição da escravatura, Portugal opta, de facto, por outras fontes de rendimento na Guiné-Bissau onde, à semelhança do que acontece noutras colónias, haverá tendência para a monocultura, refere o historiador Julião Soares Sousa. 

“Uma das grandes transformações que houve a partir sobretudo quando entramos para o último quartel do século XIX, há uma tendência em Portugal, sobretudo na Europa, nos países que tinham colónias em África, uma mudança de paradigma que tem a ver com o tráfico de escravos que está a terminar ou já tinha terminado. Nalguns casos continuou com outras perspectivas. Por exemplo, em Portugal, usou-se muito o trabalho ‘contratado’, mas o trabalho ‘contratado’, mas no trabalho ‘contratado’ -nós conhecemos São Tomé e Príncipe- as pessoas eram quase escravas. No fundo, a diferença não era muita. Portanto há aqui uma mudança porque, de facto, quando se está a terminar a escravatura, evidentemente há uma tendência para apostar mais na agro-pecuária. Essa foi, na minha perspectiva, uma das grandes transformações que houve sobretudo no final do século XIX e início do século XX, a aposta na agricultura. Mas isso também teve uns reflexos do ponto de vista ambiental. Por exemplo, a monocultura de determinados produtos, que foi uma tendência por exemplo nas colónias portuguesas, veio transformar a agricultura, deforma o próprio ecossistema, com a grande pressão que existe sobre o solo e nomeadamente na vinda ou no tráfico de alguns produtos trazidos de outras geografias. Nós vemos no caso da Guiné, concretamente, há palmeiras que não são palmeiras autóctones e que foram trazidas precisamente com intuitos industriais. Isto também provocou uma grande pressão sobre o solo porque, para plantar essas palmeiras, era preciso cortar árvores. Grandes extensões de mato foram completamente destruídas”, sublinha o historiador.

No decorrer da primeira metade do século XX, começam a surgir ao conta-gotas algumas associações desportivas ou culturais na Guiné-Bissau, mas eventuais veleidades de afirmação identitária são reprimidas. “Sempre houve uma tendência para resistir à ocupação portuguesa que, depois, vai resultar na criação de alguns movimentos de carácter cívico e por vezes com carácter cívico e cultural, como por exemplo a Liga Guineense que foi criada em 1910 e que depois tem uma evolução claramente contrária àquilo que era a tendência do regime colonial, sobretudo na tentativa de criar escolas e bibliotecas para os negros”, comenta o investigador

Nos anos 40, o regime de Salazar que se assume plenamente como potência colonial funda em Lisboa a Casa dos Estudantes do Império, onde se concentram todos os estudantes vindos das chamadas “províncias ultramarinas”. O intuito é incrementar entre eles o sentimento de pertença ao império colonial português. Acontece exactamente o contrário. “São daquelas contradições que são inerentes aos regimes e aos modos de produção, porque de facto, cria-se a Casa dos Estudantes do Império em 1944 que vai incorporando os chamados “jovens coloniais” que vinham para frequentarem o ensino superior em Portugal e no seio do qual vão emergir ideias revolucionárias, sobretudo com uma aprendizagem prévia, sobretudo por causa da influência de algumas organizações da esquerda portuguesa. A maior parte destes quadros ou “jovens coloniais” acabaram por integrar o mundo juvenil e é também neste quadro que fazem a sua formação política e ideológica”, refere Julião Soares Sousa.

É neste contexto que Amílcar Cabral, recém-formado em agronomia, envereda para o activismo político. Um activismo que vai valer-lhe uma vigilância apertada da ditadura portuguesa. Em 1956 ou um pouco mais tarde -as teorias divergem- é fundado o PAIGC, Partido africano de independência da Guiné e Cabo Verde. Em 1959, a repressão de uma revolta de estivadores no porto de Pindjiguiti, em Bissau, que reclamavam melhores salários e condições de trabalho, resulta pelo menos em 25 mortos.

Este será um momento decisivo de tomada de consciência para os independentistas, segundo Julião Soares Sousa. “O massacre de Pindjiguiti vai ser um elemento importante naquilo que foi a consciencialização das pessoas para a crueldade do regime colonial português que usa a violência, muitas vezes, para forjar determinado tipo de aceitação do próprio regime. O massacre de Pindjiguiti claro que constituiu um marco na viragem daquilo que foi a linha que o PAIGC, liderado por Amílcar Cabral, traçou porque a partir daqui se chegou à conclusão que, de facto, só a violência poderia reverter a violência”, conclui o estudioso.

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