2023, um ano atípico e miserável para a História e Cultura em Cabo Verde

O Ano que agora finda veio cristalizar a ideia de que os serviços, nacionais e locais, responsáveis pela área da cultura precisam, urgentemente, de políticas próprias e linhas orientadoras de acordo com seus estatutos ou orientações técnicas. É que a semelhança de outros setores e serviços do estado, os da cultura, assumiram, sem questionar, o papel de meros reprodutores de discursos e fiéis seguidores de orientações de gabinetes políticos, sem se preocuparem com o respaldo técnico.

As inúmeras polémicas no que diz respeito a gestão dos Centros e Sítios Históricos do país, são apenas alguns exemplos. Igualmente, se fizermos um voo rasante sobre as comunicações dos serviços, os eventos, as notas e os dados estatísticos, percebemos esta tendência e, para espanto e tristeza, notamos o esforço titânico que os gestores têm de fazer para agradar o gabinete político, deixando as equipas técnicas a corarem de vergonha quando vem a público as decisões, orientações e comunicados do que fazer ou do que foi feito.

O que não faltou no ano de 2023, foram as guerrilhas montadas à volta de determinadas personalidades e instituições, numa tentativa clara de apagar ou branquear a história contemporânea de Cabo Verde, por mero motivo de ego e birra. Se calhar o que ganhou mais destaque foi a birra montada, estrategicamente, à volta da Figura de Amílcar Cabral e as acusações de busca de protagonismo entre o Estado de Cabo Verde e a FAC, sobre os escritos da mesma personalidade, mas muitas outras aconteceram, sem o devido tratamento mediático.

Lamentavelmente, continuamos escutando o ego e a forma vazia que se fala do setor, desde a base até ao topo, onde as instituições, são apenas caixas de ressonância e limita-se a baixarem a cabeça e partilharem posts de comunicados dos diários de viagens, cheio de erros técnicos e com uma incoerência assustadora.

Se é verdade que há eventos como a URDI (que sobreviveu à política de terra queimada), que mostram a grandeza e riqueza cultural do país e o impacto da produção e manifestação cultural na geração de riqueza económica, social e intelectual, não deixa de ser surpreendente e preocupante que as linhas orientadoras continuam a ser definidas ao sabor do momento e da eloquência, ao invés de estarem ancoradas em planos estratégicos ou uma agenda preparada com bases técnicas sólidas.

Hoje, olhamos com tristeza para a produção cultural e a ausência de dinâmicas associadas, ao contrário do que se tinha num passado recente. A extinção, silenciamento ou elitização das feiras que incluíam o material e imaterial da nossa cultura, o movimento e agenda cultural, que não dependia dos festivais, são exemplos de como estamos empobrecendo um setor que deveria ser o farol no processo de desenvolvimento.

A quase que exclusão dos fazedores da cultura no processo de representação dos saberes e fazeres, apostando no apoio ao agenciamento de quem tem os melhores contatos, demonstram, na prática, o porque de muito daquilo que é o legado patrimonial de Cabo Verde estar a entrar em decadência ou em desuso e com risco de desaparecimento.

Ao nível local, mais de 90% dos municípios, os seus orçamentos e as agendas culturais continuaram resumidos aos festivais, deixando de lado o fomento as oficinas de transmissão do saber-fazer tradicional, das práticas de produção de brinquedos tradicionais, a tecelagem, a carpintaria decorativa, oficinas de confeção de pratos típicos, manutenção de casas tradicionais nos meios rurais, entre outros, sem falar da aversão e passividade que as autarquias relevam no que diz respeito a produção literária, oficinas de tocas e danças tradicionais e a criação de museus.

Estes e mais outros elementos que poderia aqui apontar são apenas a ponta do véu daquilo que foi ligeireza, a pobreza e o caos do setor da cultura em Cabo Verde, que paulatinamente vai afundando e extinguindo as dinâmicas que existiam a volta da produção cultural do país, num mito de formalização do setor, deixando por terra os fazedores da cultura, bem como os seus espaços e equipamentos de criação, produção e usufruto da sua prática….que o diga o tamboreiro das montanhas, os fazedores de brinquedos tradicionais, as senhoras dos bordados, os contadores de estórias, entre outros.

É chegada a hora de repensar as políticas públicas para a salvaguarda da história e cultura de Cabo Verde, deixando as instituições assumirem, na plenitude as suas funções técnicas, sem vaidade ou complexo de assumir que as sementes foram lançadas no passado e que os gestores, são apenas continuadores de um trabalho que há muito se iniciou.

Para o ano de 2024, é preciso que se elimine de vez o ego da virgindade em tudo o que é realização histórica ou cultural de Cabo Verde, trabalhar-se para que a história e cultura de Cabo Verde, continuem a unir o povo das ilhas, ao invés de estarmos aqui tentando ganhar cliques com feitos efémeros, de quem se acha um gigante, mesmo tendo pés de areia.

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